terça-feira, 22 de junho de 2010

Sobre Parede

olá, Parede, você é uma parede bela,
posso lhe contar sobre o que há lá fora,
onde os carros despertam fortes jatos de vento,
elevando as poças cheias de água suja
às roupas limpas das pessoas?

há, Parede, há muito frio lá fora,
é por isso que estou aqui e não tenho certeza
se você me compreende...
quem te ensinou a ser assim, muito quietinha,
cheia de ordem para ocupar o seu lugar?
Sei, sei, sei que foram eles,
os mesmos que pintaram com aquarela
escura esse céu infinito e fechado...
Chamam isso arte...

é importante que eu te diga sobre os valores,
que as coisas escorrem pelo ouvido esquerdo
e se estatelam no chão...
seria feliz como você só se fosse assim, durinha,
insensível a quem te toca,
como um Jesus que morresse pela humanidade...

mas não sou, Parede, tenho carne e osso,
e também dizem que apodreço...
mas você, Parede superior,
é derrubada sem sentir,
é martelada e não revida...

que inveja!

Um comentário:

  1. Cara, esse poema é prodigioso! A partir da contemplação de uma organização mais ou menos resistente de matéria inanimada - no caso uma parede - nos transportamos, filosoficamente, até o longínquo abismo do ser. E não sem um tremor de indignação, que só nos deixa as pernas ainda menos rijas, percebemos que, apesar da alma, da revolta da alma, apesar da carne, da solidariedade da carne, a parede ainda está ao nosso redor - quem sabe um pouco diferente, um pouco viva, um pouco de nós mesmos - então tornamos a olhar para o alto, onde há estrelas, quiçá frestas de uma parede enormemente...

    Bruno (do O. Dantas)

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