terça-feira, 31 de agosto de 2010

Dois anos nas letras

Ao fim deste período, completarei dois anos no curso de letras. Sobre o que fica, naturalmente, sobram as recordações, as saudades, a estranha sensação de que o tempo devastou àquela alegria inicial do calouro. Bastam os meses para que as novidades se cansem e deixem de ser estrangeiras, tal suspiros excedidos por não haver mais ar. Leitor desde há muito, portanto, como é evidente, interessado mais em literatura que nas regras todas da gramática do vernáculo ou da língua estrangeira, mais interessado na poesia absurda e na prosa transgressora que nas exceções apontadas pelos lingüistas, apesar das agruras encontradas sobre esse caminho, que quando ainda secundarista parecia fácil, até aqui, devo admitir, não me arrependo de coisa alguma. As disciplinas que ficaram por concluir, os trabalhos deixados por se fazer, os fatos em detrimento dos quais ampliamos o horizonte daquilo que circunscreve as nossas atividades diárias, são os diversos caracteres que, mesmo à margem, considero-os indispensáveis a uma formação para além das amarras do mundo convencionalmente formal - o do poderia ser. Se me frustrei foi por estar viva aquela humanidade que é demasiada, quase sobrehumana, aquela que credita valia a esperanças em estado de primavera, as que florescem por curto período para então morrer. Entretanto resguarda-me a certeza de que não sou o primeiro nem o último, de que noutras didáticas, até nas que agora são só lembranças, pululou em homenzinhos muito calados uma agonia em opulência. À parte o modelo segundo o qual o homem de massa é modelado, com a sua data de fabricação e validade, incumbido a realizar tarefas desagradáveis dentro de um tempo que é arbitrário, não sinto vergonha em reconhecer que não estou preparado para o que quer que seja. Mais vale dizer-se inútil que gozar daquela utilidade desvirginada em virtude da qual se mata e morre por trivialidades. Todavia, vejo nesse último período uma brecha onde pode se encaixar um ponto derradeiro: sou o tipo de gente que é repelida pelo mundo porque inapto ao encaixe aluído da realidade.

3 comentários:

  1. é o que todos sentem, só não tem coragem de dizer
    òtimo texto

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  2. João,

    Lendo o seu texto, o que percebi, é que você sente as coisas de forma muito semelhante com as que senti em minha graduação. É uma pena que a forma como se encontra estruturada as instituições de ensino no Brasil, obriga-nos a fazer coisas que simplesmente os doutores ingorantes se apegam como fetiches de sua área de saber. Não percebem que se estimulassem e potencializassem mais ainda o seu gosto pela literatura, se o libertasse das amarras enfadonhas e covardes das formas frias e o deixasse cuspir sua forma de expressão, você seria muito mais importante para a consrução de novas visões de mundo, enriquecendo assim, a área que você devora espontaneamente. É triste, mas como você disse, infelizmente existem outros como você, mas que preferem se submeter aos modelos obsoletos da máquina acefala e acritica do saber, a ter que expor seus desencantos. É uma pena, mas tenho que concordar: assumir uma postura como a sua em uma terrinha de papagaios provinciana e preguiçosa, é inevitavelmente ser excluido da cupula dos passivos estudantes do nivel superior brasileiro.

    Lindo o seu texto man! Parabéns!

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  3. realmente, ótimo texto. pra o joão ae que tem algum dom pra poesia, pode se expressar. eu vou imitar o blake aqui

    "Eles tropeçam todas as noites nos ossos dos mortos,
    E sabem que ignoram a tudo a não ser o medo,
    E querem guiar quando na verdade deveriam ser guiados."

    Songs of Experience -William Blake

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