quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O quintal da minha casa

A um canto, garrafas de uísque e refrigerante emborcadas atrás de uma antiga placa de anúncio - apesar de terem sobrevivido os nomes dos produtos, os espaços nos quais os preços são inscritos tornaram-se vagos, aptos a serem preenchidos por novo giz. Canos velhos se juntam à outra placa num novo canto. Os vasos plásticos acumulados embaixo da tralha, nas épocas frias, propiciam um belo habitat para ratos de todos os tamanhos. A pia é original ao tempo em que a casa foi entregue pelo governo - embora fincada nalgumas partes e tomada por limo noutras, uma madeira não muito resistente se fixa à sua parte frontal criando, conforme os engenhosos cálculos da minha mãe, uma pequena casa aonde dorme meu minúsculo cachorro. A máquina de lavar, quitada em doze prestações pagas à loja Insinuante, fora alocada em cima de uma saliência de cimento e tijolos construída por meu tio que, além de pedreiro, é também vigia de uma biblioteca pública. Panos velhos e impróprios ao uso, encimados por uma lona preta e velha, cobrem as pequenas entradas de ar do muro principal da casinha dos fundos, para que a chuva não passe e molhe os objetos mais vulneráveis, como a mesa de madeira rija que nos fora doada por minha madrinha. Num canteiro curto, mato medicinal e selvagem se confundem, havendo sobre o estrume ultrapassado a cor ocre escorrida dos blocos que se somam para formar o jardinzinho, e daí é emanado agradável cheiro de terra interiorana. Os buracos no chão cimentado do quintal são abertos por força das raízes dos capins. Meu padrasto, debochando da minha preguiça, por vezes os apara, tornando essa parte da casa mais límpida. Às vezes, quando quero ler sem sentir o calor do meu quarto sendo despejado sobre o corpo, arrasto para uma região sombreada desse mesmo quintal a velha cadeira preguiçosa da minha mãe, e fico aí lendo e divagando filosofias por horas. À noite, nos dias em que estou mais nostálgico, costumo me direcionar ao mesmo local para, vendo as estrelas, fumar meu cachimbo pensando em coisas muito distantes. Porquanto não vá até ele todos os dias e não o ache tão bonito a ponto de merecer demasiada contemplação, concebo o quintal da minha casa alugada como o mundo, para o qual tudo existe e as coisas lá fora lhe são indiferentes.

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