domingo, 26 de junho de 2011

A concepção de ajuda ao próximo de Gugu Liberato

Às comovidas lágrimas da minha mãe devo as linhas que prosseguirão para formar o texto que agora calculo entre os lábios, ostentando no rosto o olhar distante de quem se põe a pensar uma importante filosofia. Se não tivesse ouvido do meu quarto a aspiração entrecortada de quem pranteia silenciosamente, como se no nariz se quisesse retesar um apanhado de águas que insistem em querer vencer a força despendida na puxada do ar, certamente não estaria, neste exato instante, buscando circunstanciar os prolegômenos dessa dissertação que espero ser breve. Advirto que não sou um crítico, muito menos um fisiologista dos nossos descasos sociais: escrevo – aqui, sem rodeios, sou muito sincero – motivado mais pelas risadas internas que me causam os grandes programas televisivos que por estar me sentindo comovido com o quadro onde observamos as deficiências pululantes do nosso país. Os primeiros passos em direção à maioridade nos conduzem, quase que em todos os casos, a revoltar-se pelos que sentem fome e são todos os dias oprimidos, tal é a pintura caótica e infernal que nos enrubesce os olhos desprevenidos. Assim, a depender do ambiente no qual damos cabo aos compromissos de nossas quotidianas vidas, juntamo-nos a grupos que têm por ideologia obstinar-se no combate de semelhantes problemas, lançando mão tanto do corpo-a-corpo quanto de ações jurídicas para que eles sejam dizimados. Havendo os opositores perenes, encalços são postos ao caminho da luta, e o sonho de um mundo mais justo que os mais sensíveis carregam, à revelia da imensurável quantidade de suor que expelem na defesa de seus propósitos, é protelado, resistindo, apenas, a empáfia das duas forças combatentes, nas quais podemos supor jazer a substância que dá o único sentido da política: procrastinar os interesses da pólis. Havendo também os nostálgicos, que se deixam abater pela previsibilidade desse teatro onde fantoches politizados representam o bem e o mal, a maioridade a que podemos chegar incrementa-se de mais uma possibilidade: a indiferença. Como o texto que aqui tecemos se deve a uma razão doméstica e pessoal, admito que tenho experimentado, desde algum tempo, esse último estágio, o da indiferença, se é que cabe a mim julgar o nível intelectual em que me encontro atualmente. A indiferença por meio da qual eu seria condenado pelo teórico político Antônio Gramsci, apesar de estar fundamentada na leitura que os meus olhos têm feito do mundo, o que permite às minhas pernas quedarem-se em estado inerte, deixa-me livre, por outro lado, para manter vivo o exercício da escrita, ao qual sou demasiado afeiçoado. Julgo que, ao agir de tal forma, não disto, a título de práxis, de noventa por cento da elite intelectual de esquerda do Brasil, fato que me tira à consciência o peso que a imagem do marxista italiano joga-lhe por cima. Desse modo, sinto-me extremamente livre e justificado para falar sobre o conceito de ajuda ao próximo esboçado num dos quadros do programa de auditório dirigido pelo senhor Gugu Liberato, porque, antes de tudo, sou um esteta da palavra, e cético por conta da sensibilidade poética.

Desse modo, no quadro “De volta para a minha terra”, como primeira impressão, podemos ser acometidos por sentimentos de tristeza. Basicamente, se o assistimos por mais de uma vez, podemos ver em todos os episódios apreciados enredo similar, caracterizado, sempre, por uma família de dissidentes nordestinos vegetando má sorte na colossal metrópole brasileira, São Paulo. Trata-se geralmente de pessoas que não conseguiram o êxito de que, talvez há dez ou mais anos atrás, falara-lhes os seus vizinhos. Desembarcam de repente na promissora capital e não conseguem extrair dela os seus minérios, o seu ouro. Desiludidos, sem perspectiva alguma de contornarem a situação paupérrima em que se encontram chafurdados, mandam cartas a programas de domingo, que se lhes apresentam como únicas válvulas de escape, da mesma forma e talvez em maior intensidade que as loterias federais. Um ou outro, por sorte, acaba sendo felicitado pelo destino e, depois de passar por todas as fases do jogo sentimental arquitetado como meio de aquiescer à audiência, volta para o lugar medíocre de onde saiu em busca da vida melhor que não achou e que nunca achará. Quero crer que quando essas pessoas partem de sua terra natal, tal é a miséria em que viviam, o restante de suas famílias se sente aliviado, posto serem muito difíceis as condições que gozavam estando apinhados em grade número numa mesma casa. Ao partirem, então, o volume de pessoas é reduzido e, em conseqüência, os gastos passam a ser menores. Num dia qualquer, surpreendidos, os que ficaram recebem de volta em casa a carga que haviam despachado, e a vida passa a ser a mesma de antigamente. O quadro do programa dirigido por Gugu Liberato, posto isso, não possui relevância social nenhuma, já que, em vez de se mostrar combatente a esse equivocado êxodo rural, faz dele sua matéria-prima, por não o denunciar, cooperar no fomento de uma espécie de êxodo urbano das famílias pobres, levando-as à mesma situação degradada de que um dia fugiram. O quadro do programa dirigido por Gugu Liberato, de outro modo, enlaça o pescoço dos sorteados e de suas famílias numa linha de miséria que se disfarça com o veludo da justiça social, tirando dos governos a responsabilidade que deveriam ter para com aqueles que abrigam a comarca de sua alçada. E, apesar da dissimulação, da falta de sentido e da dubiedade de tal programa, ele finda como o mocinho atencioso, arrancando lágrimas de pessoas como a minha mãe, cabeleireira autônoma e estudante da quarta série por força, respectivamente, da sobrevivência – não da inteligência.

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