sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Acerca da amizade

Certa tarde, quando fui visitar um amigo em sua casa, empreendemos uma conversa demorada sobre objetos antigos. Um interesse comum em discussões sobre o passado, em cuja cova não cansamos de fincar a pá a fim de desenterrar destroços quase sempre apodrecidos, levou-nos a descobrir uma fita cassete escondida na gaveta inferior da velha estante do seu quarto. Constava na capa de papelão alguns agravos e diminutas manchas amarelas, ambos os danos surgidos sob os auspícios do tempo, que, impossibilitado de reduzir a velocidade dos seus passos ou mesmo pará-los por força de sua natureza atlética, não oferece a si uma paz mais duradoura, uma felicidade passível ao amadurecimento. Analisamos, então, toda a superfície do objeto e decidimos verificar que tesouro fílmico se segredava ali dentro: depois de rebobinada, pusemos a fita no vídeo-cassete. E que surpresa atroz aquele encontro casual nos trouxe, obstruindo às nossas almas todas as vias por onde os adultos deixam vazar insensibilidade, somando-se às recordações aquecidas pela conversa sobre eventos já distantes como o incremento mais nostálgico entre todos os outros: O último dos moicanos, animação singela que vimos sentados sobre um sofá caquético falecido há alguns anos, enterneceu-me a tal ponto o peito arfante que, inspirado pelas circunstâncias, escrevi no bloco de notas uma reflexão ligeira sobre a amizade: se a ilusão não tivesse entremeado os interesses de Dom Quixote e Sancho Pança, apagada pela implacável borracha da história, a relação de amizade que tiveram não haveria resistido ao primeiro crítico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário