Auto de Resistência. Quando a sessão é indigesta, evocando o refluxo em vez do deleite dos sentidos, o olhar interpelado pelo excesso da produção documental é conduzido a levar em consideração a banalidade da diegese fantasiosa, da ficção política. Se os limites da ubiquidade do cinematógrafo são exauridos no instante mesmo em que o outro só não é afigurado em sua totalidade porque tem cheiro, já aí toda a ardência que rebenta no universo de sua interioridade alcançara o êxito de transpassar a tela, manifestando no alocutario as circunstâncias conflitivas de um mundo que não é seu, que então desconhecia. Em Auto de Resistência, documentário centrado na letalidade mortal do corpo de polícia do Rio de Janeiro, somos apresentados a essa chave de apreciação, não para sermos noticiados da reprodução sangrenta do cotidiano, como insiste em nos atualizar a atração diurna sensacionalista, mas para confluirmos violentamente com os sentimentos dolorosos que oprimem angustiantemente os pais das vítimas. Aqui, a contrapelo do direito, o assassínio costura a sorte de uns tantos desafortunados no mesmo balaio de injustiças, conjurando ao ressarcimento não os vencidos, a quem ainda se permite contestar o seu destino, mas os mortos, dos quais a vida fora ceifada meramente. A tela os redime da culpa enxertando complexidade no acúmulo trivial das suas existências, apresentando-os não mais como marginais, a quem a pena transcende a humanidade, mas como membros sagrados do corpo de Cristo.
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