Sobre Cuba. O pacto de não-agressão firmado entre os setores liberais de esquerda e direita em defesa do combate sistemático a Bolsonaro cristalizou entre seus pares uma solidariedade cuja força perpassou a plataforma antigovernista propriamente dita, atingindo meia dúzia de temas sobre os quais, historicamente, ambas as partes divergiam.
O escândalo ocasionado pelos protestos recentes em Cuba foi expresso desde a Folha de São Paulo até a revista Cult. Embora alguns colunistas tenham mencionado o embargo econômico imposto pelos EUA contra a nação caribenha como um dos motivos de sua instabilidade social, em nenhum deles o alarde sobre a ausência de democracia formal, manifestada em sua plenitude no direito de votar em eleições livres, passou desapercebido, concentrando-se, para eles, no cerceamento político da liberdade de escolha a causa fundamental dos problemas que devassam a ilha.
A imoralidade dessa conclusão concentra-se não só no papel de fundo que se dá às limitações materiais advindas do embargo, mencionando-se rotineiramente as grandes filas enfrentadas pelos concidadãos cubanos para a aquisição de comida; mas reside também na supressão do fato de que lá, apesar dos desconfortos motivados pela escassez, não se morre de fome, não se fica sem acesso à saúde e à educação básica e, principalmente, não se vive uma vida limitada em virtude do pior entre os embargos, qual seja, aquele estruturado internamente por uma classe política solipsista e cruel com o seu próprio povo.
É pornográfico se criticar o governo cubano quando temos, logo ali em Cuiabá, filas longevas de invisibilizados para pegar restos de ossos descartados por frigoríficos; quando mais de 60 mil pessoas morrem anualmente vítimas de assassinato, sendo a maioria negra; quando as estatísticas já registram perto de 600 mil óbitos em razão da pandemia de covid-19.
O Brasil é laboratório quando se deseja cotejar o fracasso das abstrações liberais sobre democracia.
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