segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Diário do Farol - Introdução



Muito tem se falado e se tem feito em se tratando de propostas, eticamente viáveis, para a consolidação de uma sociedade, não restringindo-se às vaidades de um determinado grupo, moralmente concebível. Quando tratamos de ética e de moral despontamos para uma problemática onde essas duas questões, que são diferentes, se confluem, tornando-se, assim, essas questões, muito mais complexas do que aquelas abordagens sobre sociedades utópicas que são arquitetadas pelos filósofos, coagindo as liberdades que são exercidas, embora sob os estorvos estatais, que lhes submetem a uma infinidade de moldes aos quais mesmo que involuntariamente devem seguir, pelas pessoas. Estas, que de acordo com o seu tempo histórico e com a herança que lhe garantira essa mesma história, aliando-se a fatores externos, como traumas e nivelamento de conhecimento, acabam por tornarem-se antiquadas em determinados grupos e, por outro lado, empáticas a outros, pois isso, por assim dizer, configura o que chamamos por sociedade e regimenta, com leis e atribuições próprias, fatores que serão concernentes a uma variável de comunidades que irão formar, contudo, o corpo definitivo de um povo ou de uma nação.

Uma nação ou sociedade organizada, o que nos propõe a remetermos o nosso olhar para um prisma homogêneo, uma vez que essa última será formada, invariavelmente, por humanos e espécies que interagem com estes, abarcará uma infinidade de fatores extemporâneos e só conseguirá organizar-se tal qual anseia a política se, destituindo-se dos desejos individuais de cada um, pautar-se em bases científicas para que, de acordo com variáveis que se repetem quantitativamente entre as pessoas, possa se chegar a parâmetros que são confortáveis a todos. Ou seja, se se quer dizimar um dado problema que vem ocorrendo com certa freqüência nalgum lugar, através da coleta de indivíduos que têm tensionado o problema proposto, se fará uma análise a partir desse aspecto quantitativo para se chegar a uma solução qualitativa da problemática. Com o auxílio do modelo especulativo, o qual sempre existirá em qualquer modelo teórico científico, ter-se-á uma idéia prévia do que compõe o torvelinho que vem servindo-se de percalço aos que são confrangidos pela problemática; no entanto, como é cabível que pensemos, essas bases teóricas não irão ser, de todo, aprazíveis, já que um determinado problema estará além da realidade especulativa daqueles que teorizam determinado fato, ele será imanente ao modo como todas as subjetividades envolvidas no ocorrido irão conceber o problema. Sendo assim, para um mesmo sintoma, teremos várias variáveis, uma vez que os organismos não reagirão a um mesmo problema de modo homogêneo, mas, sim, diferente.

Podemos ter uma melhor idéia do dimensionamento que rege essa questão quando olhamos as produções artísticas, não somente as de um lugar esporádico, mas as produções em si, ou seja, sem se restringir a grupos étnicos, raciais ou sexuais, mas, como fora dito, abarcando todos. Teremos diversos retratos para um determinado acontecimento, não à toa que vemos muitos desses artistas fazendo aquilo que chamam de “tomar partido”, seja contra ou a favor de uma determinada causa, o que garantirá à arte que desenvolvem um caráter preenchido por certo proselitismo.

Sendo impossível à natureza artística manter-se imparcial, pois, como é claro, uma forma tal de se fazer arte será um refute ou firmamento de um modelo político, ou social, vigente, este meio de sublevação das subjetividades se configurará, a quem está à frente do poder, não como uma forma de firmar a política que por si é desenvolvida, mas, quem sabe, como uma séria prerrogativa para o tolhimento delas. A arte assume tal importância dentro de uma sociedade que, quando visitamos algumas páginas da história, percebemos como ela servira-se de fator determinante nas direções que se tomavam certas comunidades. Na União Soviética, por exemplo, o realismo proletário, arquitetado por Stálin como forma de se garantir um padrão artístico comum, fora um dos fatores que se serviram de percalço, para os bolcheviques stalinistas, e de inspiração de revolta aos poetas, romancistas e artistas vários. Tanto servira-se de percalço que Trotski, que seguia uma vertente contrária às políticas defendidas por Stálin, esboça, coerentemente, no seu livro “Literatura e Revolução” como se dera o processo de engaste da ditadura proletária devido a questão artística. Criara-se um molde de como se fazer arte e o que não correspondesse às exigências que eram feitas por esse molde, tinha o seu direito de publicação vetado. Em outras palavras, o Stálin, interessado em fazer da arte um panfletário político, destituída de sua característica mais relevante, a subjetividade, queria tamponar àqueles que denunciavam o seu regime sujo e despótico.

Fora abordada até aqui a questão da subjetividade confluindo com as idéias de moral e ética, por ser tema recorrente num dos principais segmentos da arte, a literatura. Se até o século XVIII tínhamos um romance voltado a uma perspectiva linear de se narrar uma história, esboçando os temas de que falamos dentro desse contexto não digressivo, com a ascensão das propostas literárias de vanguarda, vimos histórias seguindo piamente o que se passa na cabeça humana – o fluxo de consciência – para se chegar a uma conclusão racional para estes mesmos fatos, deixando de ser, o romance, um mero mosaico de cenas dispostas bem ordenadas e passando a ser um expurgo do que é sentido pelo romancista.

Vários foram os escritores que se utilizaram dessa técnica, digamos claustrofóbica, de se narrar. Muitos deles, já no século XX, escoraram-se na narrativa mítica-moderna de Kafka, como, por exemplo, o Samuel Beckett, que aborda nos seus livros o lúgubre, o ‘patafísico e horrendo. A despeito da tradição literária vigente até meados do final do século XVX, a posição idealista que assumira até então a literatura dera lugar a escrita do não-sentido, das metáforas que se difundem em espaços opacos e frios, transfigurando o sentimento de desnorteamento que se segue desde a difusão do pensamento voltado a questão peculiar num ponto comum a todos os homens. Passa-se a enxergar uma realidade através de outros prismas. A crença, sempre presente como regra nas famílias, é amornada com o surgimento de correntes filosóficas pessimistas. A própria filosofia, que sempre se servira de lanterna, é posta em questão, decaindo, assim, a eminência que escolas racionalistas haviam conquistado, auscultando, somente, o ceticismo, um homem que, acima de tudo, não pode acreditar em nada, pois apesar de parecer ser, não é. Muito se discutiu sobre a possibilidade de uma razão. A razão está atrelada a uma visão de não refutamento ou de verdade. Ou seja, quem tem a razão, tem aquilo que é incoercível ante outros prismas de se analisar uma dada questão. A razão, analisando-a, só tem vida, pois ela não É por ter vida própria, ou melhor, por ter nascido sozinha, mas por existir o ente que a cria de acordo com o seu limite de linguagem, em outras palavras, de acordo com os ensinamentos que lhe foram impostos como forma de educação. Apesar de muito se ter discutido sobre a razão, percebemos nisso que chamamos de Pós-modernidade não o aviltamento da procura por essa razão incoercível, mas uma desconstrução literal do que ela foi até hoje.

"O que é a Razão?". Para citar algumas: a resposta socrático-platônica, a resposta racionalista de Descartes, a resposta empirista de Hume, a tentativa de síntese de Kant e por aí segue.

A razão, como podemos perceber, nada mais é que um ornamento; a criação de uma sucessão de signos para TENTAR explicar fenômenos recorrentes no mundo da essência, ou seja, no mundo que, por ser habitado por entes, tem a sua verdadeira forma de funcionamento encobertada.

João Ubaldo Ribeiro nos provoca, coloca o crime, assim como Dostoievski, numa posição intocável ou, pelo menos, tolerável. Os dogmas que carregamos a respeito não só desse tema, como de outros, vão sendo esmiuçados e as suas naturezas se passam por difusas, pois o nosso senso-comum é posto em xeque. Moral, ética e ente, diante da profundidade discursiva presente no Diário do Farol, tornam-se incabíveis em certos paradigmas. Ao terminarmos de ler, diferente do que dissera Sartre alegando que somos seres condenados à liberdade, percebemos que somos seres condenados ao relativo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário