segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Sem Nome 7

Do alto patamar desses tempos que se desnudam feios, estou eu cá de novo a admirar-lhe o corpo imundo e tão inundado de lágrimas, ainda apoiado sobre as muletas de questões já tão velhas, com a resignação e o estranhamento da descoberta do raso, como o menino virgem que tem a frente dos olhos, pela primeira vez, a imagem carnuda e concupiscente do sexo oposto que tanto lhe despertara ansiedade, fazendo-o vagar pelos mais perversos, e ao mesmo tempo pudicos, caminhos da imaginação, sentindo a pele arrepiar-se perante a realização do ato que tanto desejara.

É um estranhamento a cada dia, o desanimo para abrir os olhos se dilata e o arremedo da cegueira parece confortante se olhado como um ato impossível. Mas soterrar os olhos não convém, pois há tudo apontando para isso e só se vive de acordo com o esperado quando os mantemos bem abertos, e então, quer queira a nossa vontade ou não, o punhal que enxerta na carne é mesmo um punhal e é desferido na intenção de matar, de colocar sob a iluminação das nossas idéias científicas o fato; não há outros motivos senão o dever de se fazer deferência aos que dizem que a vida é só assim, essa imprecisão, essa batalha por um mundo melhor que só existe numa ilha de um dia anterior, o que ultraja expectativas e põe na qualidade de nada todas as nossas ambições. E se tenta com mãos levianas o alcance do preciso, porém não basta a razão para que toquemo-no, é limitada e tímida, e quando posta nessa posição desfraldada, onde a pobreza entoa tão alto o seu hino de morte submetendo a nós todos, seja com a falta do alimento ou do espírito, se deve assassinar o corpo em intermináveis copos da bebida que dilacera, e mesmo assim não se recorre somente ao hospital dos vícios, estes também são poucos e têm também se mostrado limitados. E viver é coberto pela nebulosa do cinzento, procura-se na metafísica a razão do existir, faz-se poesia de modo a não frustrar-se com a pequenez das cores, mas se vive tropegamente e se frustra independente dos passa-tempos e dos que nos entendem, e a graça de tudo se resume ao não saber de nada... só que não há graça nenhuma em se perguntar sem ter razão, ou em se afirmar sem ter por quê. Clama-se por deus e deus nos decepciona e não nos ouve, e ninguém vem ter conosco quando enfermos, feridas à mostra, estando ali no seio da morte, eunucos por não sabermos em quais entranhas se deve penetrar, pois são tantas e é tanta a nossa vontade, que abocanhar e tirar sangue não basta, é preciso a sublimação, algo de ulterior à carne, que postergue, agrade e fira; que decepcione, avilte e sofra. E nada disso existe, senão cada um por vez, senão ter de agüentar cada um por vez e pronto.

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