quinta-feira, 10 de junho de 2010

Sobre o indefinido eu caminho para o nada

guarnecido, cruz sobre o peito, vou para o dia.
restos de fumaça criam odor amargo dentro da boca,
mesmo depois do pão, do café, do creme dental, do enxaguante
e do dia inteiro.
voz alta e inquisidora após os pés serem colocados sobre o pano de chão.
o direito primeiro, depois o esquerdo, e os dois juntos suportam o peso do corpo, do mundo, do abstrato.
o alarde é pelos papéis: os que faltam sempre e os que sempre sempre sempre chegam.
um convite à dialética; os fósseis revivem no verbo - gela a alma perante o conhecido esqueleto.
por fim, então, chegam as figuras - os adjetivos: burra, merda; ignorante, preguiçoso.

as fadas não morrem quando escorrem as nossas lágrimas,
porque fadas são personagens de livros e pertencem ao delírio boboca das crianças que sonham.
há comoção nos oleosos canos de segurança do ônibus público,
bem como na sarjeta das mulheres de cabelos amanteigados dentro do ônibus público.

o indefinido nos terminais.
os que estudam, os que vendem doces e cigarro, os que pedem esmolas e são fedidos,
cada um exercendo à sua maneira a função de ocupar o seu quadrado.
e todos ocupam bem: orgulhoso por eles - é o que devemos sentir ao vermos a ordem e a dignidade.

falam sobre o pó, com atenção sobrenatural.
nenhuma revelia em virtude de que possa ser produzido o conhecimento.
depois das salas, nas lojas e sobrelojas de todo espaço circunscrito por paredes e placas de formatura,
falam sobre o progresso, sobre o bem das pessoas e as estratégias de quebra da monotonia no vindouro final de semana. há espaço para o cinema, para a prosa e para a poesia. mas sempre o progresso; o laranja dos cigarros queimando nos bicos, em momentos de pausa, quando se pensa na vida.

e depois é o mesmo terminal, com as mesmas pessoas com outros rostos,
o mesmo ônibus com as mesmas pessoas com outros rotos,
e enfim a casa com a mesma pessoa com o mesmo rosto,
onde janto na mesma mesa localizada na mesma cozinha,
onde escrevo com o mesmo lápis sobre as mesmas coisas
e onde durmo na mesma cama rodeada pelas mesmas paredes,
envolto nos mesmos lençóis de ontem, perscrutando com os mesmos olhos
o mesmo telhado com as mesmas manchas do tempo - chamam isso de oxidação.

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