domingo, 22 de agosto de 2010

Quinze dias em Sampa

Eram prédios altos criando  sombra ao longo de todas as ruas. Era a vida que passava por mim dentro de um Mustang preto. As pessoas que olhavam-no cônscias de que ele era rápido. O seu fundo moderno dobrando uma rua adjacente à Avenida Paulista. Eram os pacotes volumosos fazendo peso nos ombros das gentes. Um suéter preto europeu como não há no Nordeste. Rostos empalidecidos pelo clima frio dessa época do ano. Uma moça demasiado bela que me cruzava com blusa curta para sobressair a olhos curiosos a simetria entre a prata do piercing e o desenho perfeito do seu umbigo. Eram túneis escuros, nos quais se andava rápido, quase voando, que nos levavam a pontos que não imagináramos. Uma bolsa protegida pelo aço do braço direito de uma mulher temerosa. A estação dos trens que conduziam para casa os trabalhadores sem sensibilidade. Era o odor de trabalho recendido das roupas todas pesadas. Um silêncio absoluto enquanto andassem as engrenagens sobre os trilhos. Era o cinza jogado sobre os muros das padarias em mais um dia vago. As ruas, em cujo perímetro se estendia um infinito de casas, espaçosas e cruas, ausentes, aí, as Marias tomando conta das vidas, à frente da porta sentadas. Era uma pizza portuguesa e cerveja em quase todos os dias. A Marginal Tietê e seus inúmeros carros fazendo o caminho contrário.  E foram quinze dias em São Paulo, entre calor e inverno, nos quais pude comprovar que a saudade se alarga aos passos que damos, resistindo em nossas almas como um tumor maligno.

Um comentário:

  1. Você descreveu de forma bastante poética o cotidiano das grandes cidades. Tudo parece mudar rapidamente, mas justamente por mudar rapidamente, não conseguimos captar com tamanha precisão a mudança abrupta das coisas. Parece que vivemos um mundo cheios de soluções visto que a concentração industrial e seus excessos de signos publicitários invadem os nossos olhos e mostram que podemos resolver tudo nessas grandes cidades, mas que no final de tudo, sentimos carregar em nossos ombros, a infinidade de possibilidades e um assombro rotinizado de um vazio que nunca se completa mesmo diante de tamanha imensidão. O medo, a fuga, o excesso, a velocidade, a efemeridade, a fragilidade dos laços, a funcionalidade afetiva dos corações concretos e esfumaçantes do progresso e da cotidiana solidão.

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