sexta-feira, 3 de setembro de 2010

2666, de Roberto Bolaño

A lógica divina por vezes me parece falha. Há sempre uma moral envolta em qualquer história. Palavras demais que são postas na boca de deus; adornos demais para justificar sua sabedoria e bondade. O quanto de qualidades já não se aglomera no seu livro de adjetivos, como se, para aqueles que lhe crêem, as recompensas se fizessem mais pontuais que as sensações, pensamento segundo o qual se reduz o corpo, composto de uma sensibilidade que lhe é natural, a mero atavio, artificial e insensível, do destino.

Deus criou a razão para que o homem pudesse contrariar à sua lógica; para que desenvolvesse certa capacidade cognitiva, criasse artifícios que viabilizassem a sua estadia na existência, e, por fim, se tornasse autônomo; dono de si mesmo. A ciência, consequentemente, é um caminho para tal propósito. A filosofia, bem como as artes, é a anunciadora dessa boa nova. Entanto, restam os templos que, entre as suas paredes, prendem os seus milhares de fiéis para que possam ouvir àquele que atenta contra o homem e sua potência, logo, contra à vida.

Fugindo aos métodos elencados pelos filósofos, a literatura dispõe-se como uma pintura que se perfaz por meio de linhas nas quais, às vezes, o alarde criado em virtude de um fato não tão importante é uma via para que possamos alcançar o substrato, de modo que tomemos consciência das dimensões das nossas vidas e de que não podemos  ser alheios ao  que nos tange. Aristóteles chama a isso de Mimesis.

Roberto Bolaño, escritor chileno falecido em 2003, na sua última obra, 2666, que fora publicada postumamente, nos mostra exatamente isso: a literatura como uma via. Eleito, não sem razão, um dos mais talentosos escritores contemporâneos da América Latina, apesar de ter virado mania entre os leitores estadunidenses, a despeito da proximidade continental, passou a ser conhecido no Brasil há não muito tempo.

Dono de um estilo mordaz, por vezes demasiadamente explícito e violento, em 2666 um dos caracteres fundamentais que configuram a trama é o holocausto. Dividido em cinco partes compostas de micro-capítulos, o livro conta a história de um escritor alemão, veterano de guerra, que é indiferente aos holofotes do mundo literário, e, paralelamente, relata as constantes mortes de mulheres em Santa Teresa, uma cidade do México. À primeira vista, o recorte central do livro é esse. Entretanto, se nos permitimos uma análise mais leviana, percebemos, ao longo das mais de 800 páginas que compõem a obra, a narração de um mundo ambivalente, permeado de questões extrínsecas aos fatos, como quando se dá um conflito de ordem mundial e, por isso, tudo se concatena a esmo, quase sem lógica, muito distante de uma intervenção divina. (continua)

Um comentário:

  1. não captei muito bem os dois primeiros parágrafos joão..

    com relação ao modus operando da literatura, concordo com você, eu diria que é "o como" que define "o quê" a complexidade do cotidiano pode ser expressa na literatura sim, quando feita de maneira séria, ao mesmo passo que é possível falar de eventos extraordinários e aparentemente complexos, sem verdadeira profundidade. como eu disse, talvez uma questão de "como" e não de "o quê".

    sobre o bolãno, vou gravar esse nome sim.

    abração!

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