terça-feira, 7 de setembro de 2010

Anatomia da viagem

Às vezes algo de muito distante me atormenta, qual uma luz que acometesse contra o escuro. Não digo que nas veias, nas artérias, um movimento se estupidifique, ficando agora o sangue a correr mais rápido, porque esse tipo de coisa nós não sentimos a não ser em literatura. Noutro dia era uma cidade pequena projetada através de uma minúscula janela da qual se via pessoas em tamanho microscópico juntadas todas na praia, um relevo de vegetação baixa com pequenos vácuos alaranjados descobrindo os locais em que o mato resistiu em crescer. Até que após alguns minutos, quando a velocidade se embala, isso tudo fica pra trás, como recortes que de vez por diante só serão possíveis na lembrança e na volta, quando as sensações já nos são outras, ao passo que os sentimentos levados para as nossas viagens já se encheram duma fadiga que é muito estranha. O mote de nuvens encobrindo as cidades; a possibilidade de ser essa a última vez; e que alegria e medo não se sente ao estarmos ali, sentados em poltronas afáveis e acompanhados de pessoas às quais não conhecemos. Há, nessas horas, um triste resvalar em mundos obscurecidos, da mesma maneira como os filmes fantásticos abrem caminhos para a nossa sempre caduca imaginação. É como estar de férias e essa alegria não acabasse; como se o ar comprimido dessa considerável escotilha fosse o mais brando, portanto muito convidativo a estar sendo respirado. Posso dizer que é um tempo imerso, aquém das fronteiras que nos impõe o trânsito diário dos que nunca chegam, além da nostalgia que nos trazem em bandejas largas nos momentos em que partimos. E são duas, três, até quatro horas para que a distância se encolha e a imagem daqueles dos quais só lembrávamos em sonhos se transmute, por fim, em pedra... se concretiza. O abraço é, para todos, sempre o mesmo; qualquer coisa que transcende o humano há nessas ocasiões. Quando o sorriso festivo não se mostra suficiente para ser pintada a largura da felicidade, quantas lágrimas não claudicam desses nossos olhos que facilmente se emocionam. Então, colocamos os nossos pés educados em terras desconhecidas, e as pessoas desse lugar, os carros, as avenidas e as praças desse lugar, são por nós vistas com contornos diferentes, com redobramentos de cores e beleza, posto que os lugares por onde passamos são distintos dos que estamos contemplando com olhos de novidade. E por aí ficamos um tempo insuficiente. O adaptarmo-nos excede o que antes efervescia. Abraçamos demais a nossa saudade, de modo que às vezes não sobra nada, e a expectativa de que voltaremos para as nossas antigas casas é um consolo. Por fim, desse modo, voltamos. E a cidadezinha vista através da janela minúscula agora já é outra bem diferente.

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