terça-feira, 14 de setembro de 2010

Sobre a 1° estrofe do poema Tabacaria, de Fernando Pessoa

Não sou nada. A primeira proposição do poema Tabacaria, de Fernando Pessoa, é, mais que um decreto, categórica. O primeiro termo diz respeito a uma negação, que aliada ao verbo conseguinte à referida palavra, fomenta a assertiva “Não-ser”. Daí, todavia, decorre os erros de interpretação que são recorrentes nos leitores pessoanos. Muitas pessoas, desatentas a esse capricho que envolve uma espécie de problema lógico-linguístico, acabam por enxergar, nos primeiros versos do poema em questão, um poeta que, à relevia de sua condição de ser humano, por isso limitado, parece negar a si mesmo, afirmando que é, em verdade, coisa alguma. Muito embora a intenção de Fernando Pessoa possa ter sido mesmo a da auto-negação, refutando assim as considerações que aqui erigimos, a forma com que foram colocadas as palavras que compõem a primeira estrofe de Tabacaria, nos condiciona a um flagelo interpretativo, posto que, quando unimos os termos num fio lógico, percebemos, em vez da firmação do autor como sendo nada, a defesa de que ele alguma coisa é. Afinal, uma proposição negativa, quando em acordo com um termo que também indique negação, resultará numa assertiva positiva. Ou seja, se eu não sou nada, uma vez que não ser coisa alguma é indicativo de que se é alguma coisa, algo eu sou.

Dando prosseguimento à sua guinada poética, Pessoa faz outra afirmação: Nunca serei nada. Tendo em mente a mesma lógica utilizada para interpretar o primeiro verso da primeira estrofe de Tabacaria, observa-se que o poeta, em paralelo à sua condição de ser que é, parece antever que sempre será. Há aí, como fora especulado nas discussões acerca do poema, uma ironia implícita, que se motiva em detrimento da sua prisão ao fato de não poder Não-ser. Sendo assim, em especial nesse segundo verso, perguntamo-nos: ele quer não-ser? Numa interpretação livre, pode-se dizer que prepondera, nesses dois primeiros versos, dois elementos que irão se unir na última assertiva quanto ao seu estado de ser que é: condição e desejo. Na primeira, por assim dizer, ele reconhece-se como sendo algo, e na segunda, paralelamente, embora talvez deseje não-ser, ele sempre será. A esse argumento, como refutação, pode-se trazer à luz da nossa discussão a certeza da morte. Dessa feita, dir-se-á: quem morre não é. Mas quem não é não já foi alguma coisa que para sempre será, já que não-ser indica o estado de quem é algo? Ou seja, mesmo a nulidade à qual nos condiciona a morte é, logicamente, uma forma de continuar a ser alguma coisa que se enquadra nos limites da linguagem.
Por fim, no penúltimo verso da estrofe, vêm, em conjunto com os termos já analisados, os verbos poder e querer explícitos. São dois verbos que, se bem observados, além de agregarem a si os elementos presentes nos dois primeiros versos que foram apontados por nós, dizem respeito à condição humana de desejar e ser coagido. Eu desejo não-ser mas sou, de modo que a minha condição de ser que é, e que traz em si os sonhos que qualquer um pode ter, torna embalde desejar o não-ser, porque estou condenado a ser sempre aquele que é. O poeta parece ir de encontro aos entusiastas do nada, que vêem fundamentos na possibilidade de que possamos ser coisa alguma, mostrando-se assim, não um niilista, mas um pessimista que vê-se ajoelhado diante da sua condição de estar sendo.

2 comentários:

  1. No final das contas, não existe indivíduo nesse mundo que não seja absolutamente nada. Todos estão submetidos a um sistema de regras, de linguagens que orientam sentidos para as nossas concepções sobre as coisas. Mesmo acreditando não ser, somos alguma coisa simplesmente por já sermos alguma coisa. Sentimos o vazio, mas sentimos o significado do que seja vazio. Mesmo que esse vazio gere um vácuo, o sentido do vácuo, por mais obscuro que seja, já é um sentido só que obscurecido hehehe.

    www.movimentotorto.com.br

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  2. Não sou nada.
    Nunca serei nada.
    Não posso querer ser nada. (tem que existir alguém querendo)
    À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

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