terça-feira, 26 de outubro de 2010

Encontro numa rua suspensa na existência

Milliane continua com a mesma beleza da oitava série. Lembro que, àquela época, quando descobri por acaso as formas bem desenhadas da poesia, era insaciável em querer lhe parecer poético. Dedicava-lhe versinhos; extasiado com o filme biográfico de Cazuza, com toda a pulsão lírica dos seus versos soberbos de concupiscência e paixão, sempre quis demonstrar-lhe que era exagerado. E quantos abraços e beijinhos no rosto não lhe dei ao fim dos eternos cinquenta minutos de cada aula. Sou hoje ainda capaz, num ímpeto da lembrança, de rememorar o cheiro do perfume que adocicava às manhãs de tédio no San Rafael. E quando faço isso, flagro-me inerte diante do passado, como se nada do que foi feito fosse engenho meu, mas duma ordem que supera a vida e o presente; dum deus que nos concebe momentos brandos mas, por maldade, deixa com que eles sobrevivam na memória. Reencontrei-a num dia aleatório aos que se somam à existência. Os olhos verdes, a pele macia e rósea passaram incólumes ao fluxo do tempo - ainda tudo muito belo. De cá, só a poesia conservada irascível no dorso de uma estética mais trágica - o resto, à beleza de defronte, mostrou-se murcho e envergonhado.

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