sábado, 20 de novembro de 2010

A ode vermelha dos prostituídos

Vinte anos e tudo é infinito - os abraços na musa seriam etéreos - a felicidade proclama a sua ditadura e sorrisos  são despejados através de rostos opacos.

Não tenho calma e o sofrimento é um dom divino - o coração pulsante geme a sua agonia entre as fronteiras da América Latina - e relembram 68 como velhos que não ousassem a geriatria - com cigarros queimando ao abrigo de mãos utópicas sob a fumaça espessa de um céu onde antes desvendávamos nuvens.

A canção sem sentido é irradiada das pequenas bocas do rádio - um autor fúnebre grita a melancolia da década passada em notas menores, como o turista que contemplasse uma Vênus de Milo a partir das distâncias e estivesse satisfeito.

Por quis ruas anda papai agora? Os seus irmãos ainda são catatônicos no modo de ver a vida? Ainda chapam a cara objetivando esquecer de como são torpes as obrigações pecuniárias? Pobre memória humana: De recordações não sobraram nem as fotos - fora tudo demovido para um lugar que não compreendo - e estou me sentindo muito sozinho.

Ó Whitman, o nosso sexo obscuro nas noites de torpor - libertos no ácido lisérgico das folhas de relva - depois das torrentes e dos reclames por amor e trabalho. Ainda vejo como caminhávamos sobre flancos de gelo e toda miséria era apenas pensamento infantil. Ainda lembro do vinho que fora vertido à garganta em homenagem aos trovadores de campo e da gente humilde que não tivemos o prazer de conhecer. Ainda sinto toda a aurora da nossa amizade como se aqueles tempos fossem projeções que assisto agora no DVD aqui de casa.

Preferiria não ser - mas o concreto da pele é o pressuposto básico para se comprovar que há existência - mesmo que o corpo padeça a fadiga do trabalho braçal de um dia inteiro - mesmo que os sonhos sejam recolhidos às oito horas de sono e esquecimento, e nada disso seja suficiente para se arrefecer àquele que sofre do frio que gela o dia lá fora.

A grande máquina com tecidos frescos impulsionando sentido leva pão à mesa e os faz mais felizes todos dias - mãos e pés que amam e vacilam o desistir de tudo no momento frugal e derradeiro. Um pequeno feixe de luz que pudesse alumiar as arestas enegrecidas da razão. Um mundo mais sadio onde a felicidade fosse um bem comum a todos - não havendo os incapacitados depois das explosões na ordinária guerra dos homens.

Gandhi dando exemplo para a Europa lutava pela libertação da Índia - Adamastor fora transformado em pedra por amar demais - Dostoiévski tendo surtos de epilepsia pensava o seu Crime e Castigo como ferramenta da grande libertação - e os olhos cativos do jovem foram perfurados enquanto olhava a maquinaria soltar os seus vapores de pensamento e raciocínio para o mundo.

Eu, brasileiro e doente, despido de verves e remorsos, encontro-me num estado de prostituição contínua - Leio Pessoa em alta voz e sei que isso tudo é deserto!

Doces tabernas onde naufragamos as nossas angústias discutindo feminismo - sob o calor de braços macios há aqueles que só vêem as formas belas e sublimes de Kant - emborcam o futuro nas suas conversas de vento - olvidando que na mesa ao lado alguém sofre muito.

Os parâmetros serveros são estabelecidos e assim erigem a grande ciência - eu, vagabunda esquizofrênica e rainha dos manicômios encardidos, só quero é que injetem mais entorpecentes no meu rabo - num sadismo cruel da sociedade contra meu corpo.

Não me permito mais cantar às tardes - irrita-me na incipiência das palavras ternas os afagos frasais - os irmãos que tanto amei não foram bons latinos e sorriram enquanto o amor morria de fome - então que em cada quimera haja o peso do histérico que se debate furioso - porque esse poema é a toalha vermelha dos prostituídos.

Nas avenidas do sangue os velhos caminham leprosos - rapsódias da degradação esperam ônibus com calma - digressão estomacal para engolir a janta podre posta pela vida - a desesperança mascarada sorri pulando carnavais.

Também quero o pão fraterno inflado pelo mofo - a última ceia digerida em ímpetos de insanidade - quem sabe depois de tudo não haja o bom vinho à mesa - pois no opúsculo do dia restarão os solitários lendo Blake em quartos escuros.

A proficiência mecatrônica das gentes modernas roeu corações - vi num quarto um rapaz muito forte molestando os seios de sua irmã de catorze anos - depois tateou o resto do corpo até chegar à boceta inda tão verde - e a aurora das formas virgens cegou-lhe os olhos vivos de paixão - tendo o amor brotado de novo como uma canção soberba e triste.

Os homens seguem cansados para os puteiros atrás de ancas que lhes esgote o resto de energias - são tão fiéis quanto às velhas gordas que fazem orações infinitas para santos fantásticos - Jesus se divide em pedaços e o seu corpo é violado num dramático teatro horrendo - os abutres comem a sua carne enriquecida de luz e piedade e depois voltam a cavar o chão com os joelhos.

E rogai por nós quem tem o direito - jogamos tantos sonhos nas latas de lixo quando acaba a madrugada - suportamos o alienável e destrutível a troco de flores - que por isso condeno todas as vidas à não-dignidade.

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