terça-feira, 16 de novembro de 2010

Entulhos da marugada

Um homem com o seu trinta e oito apontado para a cabeça não consegue suportar o mistério. A medida dos sentimentos mais puros é a quantidade de dinheiro despendida para deixá-los sempre brancos. Uma mulher com abdome curvado e os cotovelos sobre as coxas chora. Além das janelas fechadas, das paredes pintadas de cal, a chuva grossa desaba e é retida nos bueiros das ruas. Estão todos trancados e isso vai bem: que somos senão pés fincados numa ilha cinematográfica? E há deus e o diabo atuando nessas cenas. Os bares e as marquises abrigam os dissidentes familiares. O último bêbado implora a uma puta a trivial corrida pelas estrelas. Ela tem o rosto amassado de quem usou muitas drogas. E quando a realidade é arrastada pra debaixo dos panos, sobra num quarto de algum motel luxuoso o casal formado há um dia... dá-se uma foda e depois suspiros. Temos João a olhar pela mansarda o céu escasso de nuvens e sol. Pensa na vida ou nos talões por quitar? Cometemos o engano da nostalgia pois tudo se concatena e os cadernos de economia não nos fala o mesmo. Não quero que apertem os freios da realidade após chegarmos ao topo: a lógica é despencar, sentindo o peso sem fim da gravidade, ladeira abaixo. E que no caminho possamos encontrar uma vala de sangue repleta de esqueletos sequiosos por outra vida. Doutro modo, que se jogar seja amiúde, porque a razão funciona melhor quando tentamos o suicídio frequentemente. Não quero mais as casas do sábado onde uma velha tece peças infantis com o óculos a lhe escapar pela venta. Ouvirei Dvorak no escuro, lendo os poemas de Shelley, e tentarei algum pranto de modo que eu pareça dramático. Afinal, dissiparam-se carne e osso, restando Atlas com o mundo despejado sobre as suas costas, com mini-pessoas com mini-sonhos indo e vindo por seus becos e ruas, entrecruzando risos e caras fechadas, risos e caras fechadas, risos e caras fechadas...

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