sábado, 11 de dezembro de 2010

Elogio do espírito-de-porco

Eis-me aqui, nadando na merda, e remoendo, como sempre epiléptico, pensamentos insanos. Diz de mim um mau filho, açoitando-me com o aço do verbo ignorante; debocha do meu aspecto físico e desfaz de minha literatura - na sua boca, depois de merda, concretizo-me o fracassado, e não há palavra mais apropriada que sintetize a sua verdade absoluta. Pondo de lado o Emilio e a verborragia bíblica, pergunto a vós, que conheceis como ninguém as curiosas dádivas do coração: Que se cria com isso? Fedelhos lacrimosos de locução perfumada necessitam da tertúlia que lhes dê afagos. Quando não, o assassínio é palavra escrita em cada linha do pequeno caderno de dramas familiares, e o sol, para quem tem sobre as costas o imenso globo pisado por gentes, é só oeste. Venho, pois, de cabeça baixa, envergonhado, falar-lhes: eu esfaqueei a família! eu cuspi em todos os mandamentos! Observam-me absorto no que chamam de fase e, com os olhos jocosos, riem-se daquele que se reconhece por absurdo. Aquém das obrigações com a minha arte, é tudo vão e nada me mostra que é incoerente o meu pensamento. As flores que ganhei, à data do nascimento, brocharam quando miravam ponteiros girando horas, e o cheiro do quarto, que guardava o acre perfume de um jardim por onde tivessem andado princesas, esfumou e partiu para longe. Que restou, após vinte anos sem tréguas, do feto que, por nada saber, tinha a curiosidade da vida lá fora? Das batalhas inescrupulosas, assim dizem os imperadores, sempre ficam grandes lições: a minha é a de que não vale a pena transcender os limites do óvulo, muito menos do que desejam para você os outros.

Um comentário:

  1. Em primo locus, gracioso poeta é muito boa esta reflexão sobre os elementos da vida bem como seu curso quase sempre pálido na compreensão dos que se acham geniais. Parabéns pelo belíssimo texto.

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