terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O homem insuficiente

O homem insuficiente não é aquele que malogrou ser o bom atleta no momento do coito, frustrando o desejo que a sua parceira germinava de chegar às profundezas do orgasmo completo. O homem insuficiente não é aquele que, por ter nascido sem as condições de ascensão fundamentais, não tornou-se rico na vida, podendo contemplar, ainda durante a velhice, as foices do tempo abrindo feridas sobre o seu corpo enrugado. O homem insuficiente não é aquele que, ao avistar o ônibus que o levaria à porta do seu destino, não pôde correr porque era paralítico e, por causa das frações aligeiradas das horas, fora despedido do trabalho. O homem insuficiente não é aquele que chorou ao ver a cena triste do filme para crianças, mesmo ouvindo os risos dados por sua esposa nos confins de uma cozinha terna. O homem insuficiente não é aquele que não pôde levar o brinquedo caro para o seu filho quando este fazia aniversário de oito anos, despertando mares de tristeza nos olhos inocentes do menino. O homem insuficiente não é aquele que mesmo rico e invejado por ter demasiado poder, ao ver como duas crianças iquestionavelmente pobres comiam com satisfação sem igual os restos jogados numa lata de lixo, não deixou que a sua alma se ajoelhasse diante da miséria alheia, fechando rapidamente as janelas do seu carro negro. O homem insuficiente não é aquele que, desesperado com os negócios desandados, atirou-se do alto do Edifício Itália, esparramando o seu corpo em plena Avenida Paulista numa hora de muito movimento. O homem insuficiente não é aquele que, tendo trabalhado a vida toda para trazer às luzes do mundo a sua arte, morreu sem ser reconhecido, ganhando, ao leito absoluto da morte ofuscada, a flor vermelha das mãos de um anônimo. O homem insuficiente não é aquele que, apaixonado pela moça que julgava a mais bela, teve o difícil pedido de namoro recusado. O homem insuficiente não é aquele que se trancou no quarto e, sob a luz fugidia de uma vela, leu os poemas decadentistas do seu poeta preferido. O homem insuficiente não é aquele que, por ter se deixado derruir com a corrosão de tudo, pranteou mais do que todos a certeza de suas impossibilidades. O homem insuficiente não é só um: ele caminha, ao longo de cada dia, por casas e ruas, movimentas e ermas, como o peixe que vivesse no fundo do oceano e não soubesse por quê.

2 comentários:

  1. Ou seja: o homem insuficiente não é aquele homem que é isso ou aquilo. O homem insuficiente é aquele que não detem de respostas capazes de preencher todas as suas duvidas, culpas, medos e desentendimentos de si próprio. Portanto, o homem insuficiente é qualquer um ser submetido a isso que se chama vida marcada por encontros e desencontros, por odio e por amor, por buscas e por buscas e por mais buscas, buscas, buscas...

    www.movimentotorto.com

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  2. Que texto fúnebre, meu caro. Devo parabenizá-lo pela atmosfera lúgubre ritmada desde o início.

    E, como não poderia deixar de ser, ressalto um petardo que não poderia ficar de fora deste conciso pensamento:

    "A sociedade criou milhões de microfacções homogêneas, para que fôssemos maleáveis e fáceis de lidar. O marketing separou ainda mais as classificações, e tornou ainda mais iguais as pessoas dentro delas - para que o consumidor fosse facilmente identificado.

    As rádios, as lojas, a TV e todo o resto foram feitos para uma massa só. E dela não fazemos parte.

    Somos os pontos de bolor na fruta fresca, somos os insetos boiando na água. A exceção, o mal visto e tido incômodo simplesmente por ser ininteligível".

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