quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Paganismo

O mar sobre o qual ele anda é feito de pedra. Não há, para serem salvas, humanidades - dessa vez são três ou até cinco pessoas. Quem o concebeu não foi um espírito: os gemidos eram emanados dum pequeno cubículo enquanto a noite cedia tragédias futuras através de paredes malpostas, dando para estreitas vielas onde transeuntes miseráveis trotavam o retorno sangrento do serviço diário. Exército em milite não há que possa crucificá-lo numa cruz de madeira rija; o seu carrasco é um delírio a que chamam moderno - e a cruz, todos os dias. Nasceu para contemplar o sol se desfazendo imperfeito nas tardes: fulvo declínio da beleza imanente, os olhos que o tocam parecem dizer adeus. Prazer escorregadio que soçobra, veludo, de mão em mão - inventaram mentiras que pudessem despertar o infinito riso. Mas a luz lívida do poste, muito ciente, mostra quão outra coisa motiva o papel despótico: o seu rosto é de martírio embora só tenha começado a noite fria. O decrépito ferro das mãos toca à maçaneta enferrujada da porta. A mansidão da pobreza se alarga e, absoluta, calha em cada rosto. E quem vence a entrada, também em silêncio, não é o homem que quem o conhece o julga digno e escrupuloso, nem o pai que para suster os seus fez mais horas no maçante trabalho. Quem entra pela porta, tez rubra gotejando a fadiga de uma humanidade sufocada, é Deus. A despeito do que diz a bíblia, o inferno é estar vivo... e o diabo, as possibilidades. Difícil, que se diga, é não ser um Fausto.

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