sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Ou da precisão de um trabalho remunerado

A nave dos loucos paira dentro das casas pobres, enquanto uma mãe enrugada remenda uma blusa assistindo à Canção Nova. Mais cedo foi com um cartão de vinte unidades que ela ligou para Eraldo; disse-lhe que o seu filho, além de torpe, vive depressivo. A lama subjetiva faz levantar o escárnio, e é com facécias risonhas que, de longe, o pai recebe as notícias. Homens não ficam tristes, pois são como blocos monolíticos feitos para a objetividade. Sob os olhos de Deus, o esforçado Escarnece do sêmen que botara pra fora. Depois da educação mercantil patrocinada pelo suor do dia inteiro, o talento para a engenharia conheceu tempo nubloso quando lia sonetos de Vinícius de Moraes. Além da preguiça e de ser um porco, não desgruda do cachimbo que lhe enegrece os dentes, tangendo pra longe as possíveis namoradas. A consciência ilimitada de si mesmo fora suficiente para não lhe tirar da miséria. À beira da morte, desencantado com o verão tecido nos lábios cotidianos, escreveu, como lápide, a última obra: "Ofuscado pela ignorância, fez também cócegas no tempo".

Um comentário:

  1. Não me diga que há fatos verídicos do cotidiano de entes próximos postos numa unidade absurda, como quem entende que todos são a mesma ruína humana...

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