quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Eu acredito na poesia?

Sergipano por força do acaso, sou filho de um pai indiferente e de uma mãe estranha. Minha compleição física, apesar do hiato de magreza que tive durante a adolescência, sempre foi avolumada. Parte da minha infância foi vivida num pequeno loteamento deserto situado na cidade de Aracaju. O resto da minha vida, correspondente ao período em que saí do lugar a que me referi para onde moro até hoje, passei num bairro de pessoas emergentes. Quando criança, estudando numa pequena escola particular do meu bairro, mostrei-me afeito ao esporte, em virtude de que pratiquei karatê e futsal - como minha mãe julgasse que tais atividades me desvirtuavam dos estudos, por esta circunstância fui obrigado a abandonar os dois. Na segunda série, como bem me lembro, era, dentre os alunos da escola, um dos que tinham as melhores notas, variando com uma colega de turma, de mês em mês, entre a primeira e a segunda colocação geral. Mesmo que os nexos dessa confissão possa levar quem lê este excerto biográfico a pensar que eu era menino exemplar, é válido corrigir que nunca tive a seriedade de quem se escondesse por trás de óculos de grau forte e vegetasse, mais do que o de costume, para angariar posição de superinteligente na academia. Sempre muito levado, nesta mesma instituição fui várias vezes rechaçado por causa de mau comportamento. Em séries mais avançadas, como no oitavo ano do ensino fundamental, ensaiei uma reprovação, mas, qual um bom jogador que redobrasse o oponente no momento exato, nas provas de recuperação, de onde vi vários colegas repetirem o ano, me safei. Por esse tempo, sendo exato, comecei a beber - em razão da idade, no mais das vezes escondido dos olhos maternos. Aí também arrisquei as minhas primeiras tragadas e toda sorte de excessos que fossem lícitos. Particularmente, considero este ano de descobertas um dos períodos mais cintilantes da minha curta vida. Somando-se ao que foi colocado, temos ainda o primeiro apaixonar-se e os primeiros contatos com a poesia. O primeiro livro de poemas que li foi uma pequena antologia que reunia alguns sonetos e poesias de Vinícius de Moraes. Por ser, àquela época, bastante desinibido, como querendo salientar o meu lirismo à ignorância e imaturidade dos meus colegas, memorizei um dos poemas do livro que achei mais belo para recitar à moça por quem comecei a nutrir meus amores: Poema dos olhos da mulher amada. Recitei e senti, apesar dos contrastes, certa reciprocidade da parte dela. Para o meu pesar, porém, a fina-flor dos meus devaneios juvenis já tinha o seu namorado e, ao final do primeiro semestre, saiu da escola em que estudávamos, indo também morar noutro bairro. Sofri umas dores que mesmo hoje ainda as considero truculentas; derramava meu pranto por ela ouvindo, repetidas vezes, as canções de Cazuza. Dentre as que me traziam mais tristeza, certamente Eu Preciso Dizer Que Te Amo era a que me tocava mais fundo. Tendo o tempo o incalculável poder de fazer-nos esquecer mesmo as dores mais fortes e os momentos mais únicos, naturalmente fui presenteado com essa benesse e, depois de alguns meses, a realidade tomava o seu curso normal, sem as cores altivas com que eu quis pintar o mata-borrão da existência por estar levianamente apaixonado. No ano que sucede essa aurora, comecei a estudar, depois de ter sido aprovado em concurso seletivo, numa escola pública federal da capital sergipana. O meu primeiro ano nessa instituição foi, sem dúvida, um tanto apagado - a única a aventura era disputar as melhores notas com um colega. No segundo ano, outro período que considero cintilante, trouxe de volta o prazer da bebida a mim, e estive ébrio por todo ele. Aqui também tive várias namoradas e os meus primeiros tropeços por causa do álcool. Toquei guitarra numa banda de rock e cantei uma música de minha autoria num festival artístico. Um ano sem igual, que, se tivesse esse poder, o reviveria sempre que estivesse com tédio. O terceiro ano, que considero definitivo à expansão do meu tato para a poesia, foi quando trabalhei pela primeira vez e estive defronte do que é o ser humano na sua face mais crua e ríspida: fui uma espécie de serviços gerais num dos setores da instituição onde estudava. Dos funcionários da limpeza aos doutores, o que pude contemplar, e que exerce forte forte impressão nas minhas recordações, é que tudo aquilo ia mal e desorganizado, exalava a corporativismo e corrupção, muitas vezes praticada a olho nu - descaradamente. Ao longo desses dias, quando tinha tempo, li vários livros, o que, juntamente com a atividade profissional, me levou a uma inserção cheia de farpas à asquerosa realidade da vida. Comi, nessa época funesta, o pão que o diabo amassou, e que era mais amassada quando eu chegava em casa. Depois do dia todo fora de casa, sendo que estudava por dos períodos e trabalhava em um, quando a ela retornava era recebido por minha mãe e seu mote de palavras duras. Dei-me muitas tarefas e não conseguia realizar nenhuma delas com precisão. Descrente demais que estava, ria-me por dentro de quem orgulhava ser homem de compromissos. Estava cansado e em má situação nos estudos. Calhou que, numa só tacada, larguei as minhas três atividades de vez e, cinicamente, furtei-me ao ócio ilimitado - tempo em que escrevi muitas poesias. Como tinha grandes chances de ser aprovado no vestibular, a pedidos e sob ajuda da minha madrinha, concluí o ensino médio numa escola estadual localizada perto da minha casa. No fim do ano, depois do suor e do sangue, fui aprovado em dois cursos: letras e comunicação social. Flores e mais flores. Os vidros em cacos, não por minha parte, foram varridos para debaixo do tapete e, assim, era chegado um período de trégua. Mas a infelicidade supera o riso e o suportar foi feito para os ratos: as contereis despencaram do céu e voltaram a arrefecer o meu juízo com maior força. Vítima mais uma vez da inocência, outra fina-flor escorria pelas minhas mãos para encontrar abrigo nos braços de um grande colega. Nesse ponto sobreveio a melancolia reprovável da primeira vez, só que com músicas e pensamentos mais nostálgicos. A chuva, entretanto, mesmo que pesada, cessa por algumas horas. Numa dessas lacunas, fui noticiado de que uma editora do Rio de Janeiro havia se interessado por meus poemas e queria publicá-los. Sofri contudo de uma alegria ofuscada pelo malogro sentimental. As aulas na universidade começaram, fiz um primeiro período razoável e, depois disso, a loucura, o opróbrio moral e a inércia denfronte da perplexidade da vida - finalmente descobri a morte e as suas facetas. Estive em dúvida sobre o ser, questionei-me sobre a valia do trabalho e do dispêndio de forças, e não cheguei a lugar algum que despertasse em mim a vontade de levantar-me da cadeira para tentar algum risco. Estive assim desde os primeiros meses do ano. No meio dele conheci àquela que me abriria os olhos. Psicologia e aspiração à pintura - como diz o povo, uma boa fôrma de fazer caralho. Feminismo, discussões, subserviência e ciúmes, um câncer que rendeu a capa do primeiro livro que publiquei. De todo modo, o contato com o corpo feminino é sempre aproveitável, e agora quem tem um filho não sou eu. Outra página virada. O hoje... o que é o hoje? Aglutinei essas pequenas memórias e fiz delas um meio para alcançar o meu lucro? Não. Passei o ano novo na praia e tenho um novo livro a caminho do prelo. E quem sabe amanhã não desperte mais frio, fazendo saltar da minha boca uma defesa ao poema, pois escrevo não pelo prazer de fornicar o real através da palavra, mas por não estar compreendendo direito.

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