quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Breve panorama de um dia gélido

Duas bolas circunspectas grudadas a um rosto frio. Indiferente às inquisições que lhe vigiam a atenção, inala o perfume denso da terra lavada pela chuva limpando da testa um suor quase seco, impacientado em virtude do mormaço que cinge com rigor as partes cobertas de pano do corpo. Pelos neurônios, dentro do cérebro, tornando-lhe humano, correm idéias, pensamentos avulsos sobre inutilidade dos pássaros, sobre as constantes guerras travadas entre os elementos da natureza. Ocorre-lhe, então, desfraldar-se em busca de sonhos elevados, especulando como seriam mais perfeitas e suportáveis as espécies. Vê, assim, um mundo onde as coisas se encerram agradáveis em todos os seres e a condição de satisfação de cada um é infinita. Não consegue, porém, atribuir nome a esse estado. E por isso, de modo a não esquecer-se da tão doce alegria sonhada, põe-lhe o nome de dispersão instante da pudica realidade. Mesmo protegido sob quatro paredes estáticas e brancas, sabe que o olham com disciplina máxima. Exigem de si a postura de coluna reta, e que não se desfaça perante os outros a conformidade dos cabelos. É para baixo que os seus olhos miram ao dar-se conta de que essas revoltas contra o sossego parecem ser de origem cósmica. Uma mão, não obstante, vai ao encontro do olho que se irrita, e coça-o obtendo, durante o ato, um prazer de sexo, um gozo elevado do organismo. Observa as marcas enegrecidas ao canto da cama onde dorme, pintadas por meio do suor liberado pelo corpo em noites turbulentas. Repulsa a si mesmo, acha-se nojento e humano, medita críticas à vida que leva e ao lugar no qual mora. Tudo nele se afigura a uma praça em manifestação contra medidas adotadas pelo governo. Seus sentimentos são faixas e cartazes levantados com mensagens de instrução aos passantes. A exemplo de um furor rebelde, estouram-lhe por dentro bombas de efeito moral, e nesses instantes sombrios de desordem das massas, como se a fé fosse o único preceito válido, recorre à bíblia a fim de harmonizar-se com a verdade una e inconteste. Mas lá fora a chuva não oportuniza tréguas – desaba com violência sobre todas as ruas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário