sábado, 19 de fevereiro de 2011

Manhã de chuva

Itinerário das manhãs. Desponta num céu cinza o que há de melhor nos anos: a chuva, o frio. Nem dos versos claudicantes dos poetas sobre o sol e as nuvens brancas, nem do sol tórrido e das nuvens brancas configuradas numa imagem de verão ou numa fotografia de primavera. Sou afeito à ausência de cor, à impossibilidade de ir-se à rua porque chove e o vento é frio. Fumo, escoro-me todo cansaço sobre a cadeira, olho as telhas manchadas das quais se desgrudam pequenos fiapos, a lâmpada transparente de onde não se emana nenhuma luz, e deixo-me estar entregue a uma alegria de quase nunca, ouvindo barulhos distorcidos dos idos anos 60. Ambiente agradabilíssimo de silêncio e esquecimento, sem as confissões choradas sobre o câncer de logo cedo, sem os logros aquisitivos dos filhos muito estudados. Silêncio, puro no seu instante, gélido e medieval. Por suas fronteiras cruzam gentes encapuzadas e aquecidas dentro de roupas grossas. O sereno extrai de árvores exatamente verdes um cheiro inspirativo de natureza viva. Ocorre-me à imaginação pensar em cavalos que marcam de ferraduras a terra úmida. Pequenos delírios compassados com goles de cerveja. Recordações tardias de agora. De proveitoso e justificável só as nuances dos dias frios.

Nenhum comentário:

Postar um comentário