terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Estudar e trabalhar, eis a questão

Todo mundo estuda e trabalha - assim, categoricamente, minha mãe adverte. Conclusão, que sendo pensada por uma pessoa com a 4º série, é plausível. Os nexos deste raciocínio são simples e seguros, pois, apoiados numa relação em que a totalidade sobrepuja o indivíduo, a parte afetada - eu, no caso -, consciente de estar dentro duma ordem rejuntada homogeneamente, tem, como única resposta para o fato em questão, somente o silêncio. Mas o problema, visto como consequência de uma sucessão de imbróglios e arbitrariedades, é absurdamente complexo, de tal modo que uma possível solução tende para o infinito, à mesma proporção do número de pessoas, presentes no globo terrestre, que têm mãe, estudam e trabalham. Vejamos por quê. A minha mãe nunca leu Shakespeare e não sabe que a Companhia das Letras lançou, recentemente, a obra derradeira do falecido escritor chileno Roberto Bolaño. Sermos cônscios das etapas por que passa o nosso espírito até findar no que somos, se é que em se tratando dessas etapas há um ponto último, é de importância sem igual para que nos tornemos seres atentos a como nos estabecemos, nas nossas relações, enquanto indivíduos. As paixões, que não tangem os corações de todas as gentes, são de suma importância para que a vida, quando passada a limpo por quem a vive, mantenha-se estável, imbuída de sentido. Nesse aspecto, crer em Deus ou em Marx, livres de tudo o que representam, não faz diferença - é até salutar. Saber que Mahler compôs diversas sinfonias é um detalhe estético, e específico, que dá, a quem o conhece, o direito de poder se dizer mais conhecedor, em termos de música, do que aqueles que desconhecem o músico boêmio. Para quem atribui à música valor inestimável, ao ponto de afirmá-la como motivo único de ser válida a sua existência, talvez esses detalhes específicos sejam importantes. Para mim, todavia, não são, embora goste das sinfonias de Mahler. Desse modo, trazidos à luz os argumentos facetados de mais acima, podemos perceber que, à medida que os interesses se distinguem e as contingências subjetivas se aglomeram, a totalidade de estudantes que trabalham, deixados de lado vários aspectos cruciais para que esse modo de vida exista, é heterogênea e amputada - seja involuntariamente, em virtude do curso que alguns fazem dar importância integral a questões até mais pontuais, ou não, em caso de indisposição de outros para o conhecimento - de saber que existem Shakespeare, Bolaño e Mahler. Sem contar que grande parcela dos estudantes, sufocada pelo ritmo pragmático da vida de hoje em dia, comporta-se com indiferença em relação ao curso que lhe prepara para exercer uma profissão futura, como se fosse externa àquilo onde encontra-se dentro. Sendo assim, há níveis de saber que distinguem um estudante de outro, e são diferentes, também, os meios que são oferecidos a cada um para buscarem o tão falado conhecimento. E o que é conhecimento? Numa interpretação pessoal, digo dele uma ferramenta com a qual desnudamos àquilo que nos é dado. Nem todos, mesmo que estudem, o têm em seu caráter mais profundo. No mais das vezes, as pessoas têm o básico para sobreviverem e opinarem sobre uma questão e outra. Quem o tem em sua profundidade, a exemplo de muitos filósofos e artistas, vê mais coisas naquilo em que boa parte das pessoas só enxerga o básico. E essa diferença de saberes, não obstante, justifica a conclusão de minha mãe e de muitos estudantes que se dispõem ao trabalho. Fazendo uma digressão, considero um erro pensarmos a universidade de maneira distinta de como ela era antes, posto que, analisada no seu aspecto de continuidade, os ricos continuam podendo custear os seus estudos, com tempo livre para dedicar-se às disciplinas. Por outro lado, mesmo que se formem, muitos pobres não absorvem o que a academia pode proporcionar. O resultado disso é que, a base do esforço demasiado, muitos trabalhadores, saídos das universidades a cada ano, calham de serem péssimos profissionais, o que prejudica a idoneidade das instituições que os recebe. Por fim, contradigo aqui os adeptos de que as mães são oniscientes, afirmando: Minha mãe está errada e eu, não querendo trabalhar, certo. Que eu seja, pois, um artista da fome; afinal, para os estetas, a lama embeleza a arte.

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