terça-feira, 10 de maio de 2011

Sobre os milagres

Mesmo dizendo ser desconhecedor das substâncias que compõem a fé, tento compreendê-la tal qual não prescindem em nos alertar, a nós os descrentes, os que muito valor atribuem a ela; ou seja, a fé é movimento, é fenomênica. Portanto, vista como algo que não se apreende em estado puro, constantemente precisa de causos que atestem o seu maior significado, como, por exemplo, os milagres. Sem milagres, sem santos, sem os subterfúgios do desconhecido, a fé deteriora-se, desmorona e se reduz a pó. O respeito e culto aos deuses trouxeram a alguns personagens e povos antigos vitórias, logros. No entanto, o que perdurou dessa cultura resistiu extraviado, com a mística, à época muito respeitada, destituída do seu valor de verdade e sem homens para fazer dela o repositório espiritual. Nada me diz que, mais adiante, também não sobrarão, dessas perfumarias caquético-religiosas, reminiscências semelhantes àquelas dos tempos antigos e que serão tomadas por um povo futuro com a mesma comiseração que temos ao falar dos gregos. Ainda que não devam ser descartados os mitos, e mesmo que erroneamente, foi com a razão que demos um largo passo e passamos a enxergar os objetos, antes medidos através da sombra que produziam em paredes disformes, desnudados, despidos dos trajes que lhes impuseram os místicos. Em semelhante sentido pode-se conduzir o que, hoje, cunhamos como milagre, algo cujo corpo semântico pode ser facilmente empurrado ao xeque-mate. Basta que pensemos no seu conteúdo tentando também observar, em paralelo, tudo o que de mal acontece aos mais variados tipos de pessoa. É válido incrementar à nossa reflexão que a oração, a fé, não atende a todos os pedidos, sendo lógico que aquele mendigo com duras crostas de sujeira agarradas ao seu corpo, por não ter sorte semelhante à de uma dada pessoa que foi salva pelo próprio Deus, é menos merecedor de reconhecimento que esta última. O próprio Jeová, do alto do seu trono celeste, escolheria os diletos a serem tocados diretamente por suas puras mãos? Tendo em vista que muitos sofrem, a única questão a ser discutida, de modo a se compreender perfeitamente a substância do milagre, é: segundo qual critério?

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