sábado, 27 de agosto de 2011

Notas sobre Raskólnikov

A fruição espasmódica dos parasitas não cessa nem refreia perante à vergonha. O torpor, a exaltação e a ansiedade, traços permanentes de suas almas obsessivas, arrojam-nos para as extremidades, confessando nos olhos deles o ódio e a mordacidade dos monstros. Sublevada a sensibilidade, têm no mundo o principal objeto para o exercício do gozo cujo ponto final é o tremor revelador do alívio, e vêem nas putas e ébrios, em que a oleosidade do dia inteiro grudada à testa denuncia a mundaneidade, a materialização do ideal etéreo abrigado nos corações fantasiosos dos poetas e homens letrados. A náusea metafísica solapa a paciência que até então guardara para tratar com as conveniências; então, lidando com o que lhes circunscreve como moralistas severos, recresce-lhes no espírito uma obscura vontade de vazão, de escoamento. Aflige-lhes, portanto, uma fantasmagoria, uma fábula soturna de cujo enredo extraem-se as patologias de uma deplorável doença terminal: e assim descobrem o cancro que lhes entremeia as ideias, decaindo no âmbito de suas vidas o temor a Deus. Nada, a eles, parece transgredir leis, a tudo buscam justificar discorrendo palavras que se arvoram sérias, conectando absurdamente proposições extravagantes num consistente fio lógico. Ora, o homicídio cruel, mesmo o genocídio, transtornam-lhes à fisiologia, de modo que passam a sentir o mundo a partir de sua imagem figurada, ou como sempre proferem, artisticamente. Disso, advém a insatisfação com a mera idéia, a insuficiência da inócua hipótese - amadurecido o desejo de testar a validade das teses fomentadas, jogam-se à práxis, à realização. A depender de como conduziram suas teorias, concluem-nas de duas formas, as mais recorrentes: matando ou tirando a própria vida.

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