domingo, 6 de novembro de 2011

Réquiem

Sou eu que, sozinho, desbravo a terra, com um cachimbo mediano preso aos lábios, duas garrafas de vinho doce tumultuando os pensamentos. O céu, como se triste, deságua calmo lá fora, e as gotas ralas dessa chuva primaveril, cortando furtivamente telhas e janela, grudam-se aos pêlos dos meus braços, deixando úmida também a capa do livro que nem mais leio, as roupas que, por displicência, esqueci abandonadas em cima da cama. Morreram os vizinhos, os seus cães morreram, os aparelhos ligados sempre no volume mais alto, a reunião semanal da família em torno da churrasqueira também morreu. O desconsolo cinza desta tarde levara o mundo a óbito, permitindo aos tristes uma hora mais íntima com o silêncio, do que puderam supor, uma rara vez na vida, que o mundo havia sido feito conforme o seu gosto e necessidade, tão fácil lhes pareceu se aclimatar a esta digressão da tristeza no tempo, em que o frio rompeu, por 24 horas seguidas, o absoluto calor.

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