domingo, 30 de outubro de 2011

Um parágrafo moralista sobre o tamanho da saia e o poeta hodierno

Não há sonhador que resista àquelas saias bem curtas, muito mais belas e reais que qualquer teoria. A provisão de insumos necessária ao bom desempenho dos sonhos há muito rompeu com a fantasia dos livros, ao passo que a substância responsável pela combustão das quimeras alojadas no coração, não podendo mais ser extraída em romances e poesias, pois aí ela se tornou escassa em virtude do experimentalismo e do realismo em voga, só pode ser encontrada hoje na dura realidade, na dura paisagem imediata da vida. Todavia é interessante a ascensão e a queda do sonhador, o fenômeno literário-teórico vanguardista, porque parecem ligados à redução no tamanho da saia e à sua justeza cada vez mais sufocante e chamativa: apesar de expor curvas e volume ao passeio público, como uma espécie de vitrina ambulante para ele, a mulher e seu corpo se tornaram quase inacessíveis ao homem sensível, uma vez que para possuir aos dois, emotiva e sexualmente, é necessário que ele disponha de recursos que equivalham ao segredo revelado naquela semi-nudez. Ora, falamos de recursos poéticos, de galanteios camonianos em dois quartetos e dois tercetos – estes que por serem movidos fundamentalmente pelo sonho não podem oferecer tantas garantias reais e imediatas ao ser que se expõe como querendo angariar melhores ofertas que enriqueçam sua vida afetiva? Não, meus senhores, e vocês sabem disso perfeitamente: os recursos de que falamos não são do âmbito literário-artístico. A arte, depois de ter se tornado assunto sindical, entrou em queda. Falamos de recursos concretos, materiais, tangíveis e palpáveis: ouro, moeda, cédula, diamante. O sonhador deixou que caísse sobre o chão a sua áurea e, ao se abaixar para juntar os cacos, encontrou na superfície uma poeira atraente, uma sujeira específica que viria a conclamar o seu declínio: apegado às impurezas do chão, viu daí – verticalmente – as minúcias das saias, compreendendo o nível de ascensão a que deveria chegar para poder possuir os seres que se escondem por trás delas. Assim, das metamorfoses ocorridas no tamanho da saia portanto, deu-se início a uma nova poética, em que se inaugurou um tipo novo de trovador: o materialista.

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