domingo, 13 de maio de 2012

Angústia

Ambicionando o descanso, deito-me; tenho o corpo mole de viver os dias; ao lado, depois da parede, meu cachorro late, e, como sempre, é para ninguém. Escuto o chiado inquebrantável do rádio do meu vizinho; baladas carnavalescas grudam-se aos meus ouvidos; sem que eu perceba, depois de já ter desviado a atenção para outra circunstância, o visgo rítmico dessas músicas animadas, estúpidas como são, atuam nos meus lábios, e as canto para mim mesmo, sentindo depois vergonha íntima, numa espécie de mixórdia que deve ser silenciada. Vou ao computador, curvo a coluna para os lados da cadeira plástica, e olho o que vi há muito pouco tempo, fazendo caretas que ninguém as conhece, esmorecido pelo tédio, pelo calor, pela falta de vida da cidade onde vegeto dias previsíveis. Armo, então, ao quintal a preguiçosa velha; à sua frente, finco um banco onde possa despejar as minhas patas; comigo me acompanham fumo, o cachimbo e um livro, que decerto lerei como se não o lesse, enquanto sorvo e libero, pela boca ressecada, uma fumaça prazerosa. Anoitece, os mosquitos não me perdoam a carne, e a comem, penicam, deixando-a rubra e repleta de abscessos. Desarmo, destituído de energia, o circo montado para o espetáculo do conhecimento - cadeiras e utopias, cada uma no seu lugar. Um inverno soberano, de repente e absurdo, me arrefece à alma e, ofegante, ponho na xícara talvez o décimo café do dia. Janto como um javali guloso; logo após estiro o meu corpo gordo sobre a cama, com o ventilador ligado ao pé da minha cabeça, e olho as telhas inexpressivas perante à escuridão que preenche meu quatro. Um alívio de estar perdido dá-me a mão repugnante; adormeço pensando em futuro, trabalho... Cruel, muito cruel, quem me pôs dentro das veias esse sopro orgânico. Sonho a felicidade como uma realidade inadmissível.

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