terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Anos de cão

Espanta-me, sobremaneira, o tráfego dos anos. Nem a morte, com suas variáveis tenebrosas, nem os torvelinhos cotidianos, sempre a nos infligirem medo, absolutamente nada enreda-se mais assustadoramente em uma alma que o fluir dos anos. É neste exercício involuntário de forças escusas, onde o tempo absoluto se corporifica em fatos, que cada encanto individual, que cada aspiração presente, vindo a ser negativa ou positivamente, amontoa-se no passado como uma obra suja e carente de significação, sendo a vida mesma a conjuração contínua de uma indecência imanente onde tudo, quaisquer que sejam as conveniências, é desintegrado ao estado de pó. O bafo frio dos séculos, potencialmente sentido por todos, quando absorvido através de um influxo individual contemplativo, não só tortura, não só desgasta – não só obstrui à vida as sensações de prazer atenuantes – mas, conduzindo quem o experimenta ao marasmo espiritual, aflui na vida de dentro como um mar caótico sob o céu negro e intempestivo, acima do qual nada enxerga ou respira.

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