sábado, 4 de setembro de 2021
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A relevância cultural do livro de bolso. A invocação do passado é um procedimento seguro quando se deseja medir o valor de algo a que se propõe analisar. Quando jovem estimei com a mesma paixão que a prática do futebol os livros de bolso publicados pela Martin Claret. É certo que as imagens chamativas sobretudo de suas obras em filosofia atraíam pelos enigmas que elas deixavam pressupor, como se aquelas figuras decalcadas por títulos densos mediassem o contato do passante que as via com a verdade. Confundindo-se com o apinhado de eletroeletrônicos que a circunscreviam, no Gbarbosa do Shoping Jardins se reservava aos títulos da editora uma estante bem arrumada e convidativa, inscrita, pela determinação temática dos representantes comerciais, nos limites em que também estava situada a prateleira das produções artísticas audiovisuais. Ora, quem se deixava fisgar pelo apelo escalarte instituído nas capas da Martin Claret, eventualmente tropeçava nas coletâneas musicais de selos populares e baratos como Millenium, Bis etc, podendo sair dali não só com uma edição plagiada da Ideologia Alemã mas também com os catorze grandes sucessos do Capital Inicial. Como nesses dias o Dvd encontrara a sua maior glória, tão desejado entre as classes pauperizadas era este aparelho, filmes antigos e não tão conhecidos eram vendidos no mesmo valor que produções de grandes artistas britânicos e estadunidenses: dez reais. Quiçá seja custoso de se crer, mas mesmo em um supermercado já existiu pequenas ilhas de cultura disponíveis ao olhar sem intenções de um transeunte curioso, submetendo o consumidor ao risco de sair daquelas instalações celebradas ao varejo com um objeto estranho ao rito familiar das compras mensais. Embora a qualidade impressa nesses objetos tenha sido contestada posteriormente, tanto que nunca encontraram lugar destacado nas grandes livrarias, onde o rigor do público sacramentaria prematuramente o seu fracasso, o valor cultural deles pode ser medido justamente pelo êxito que obtiveram nos locais cujo comércio direcionou-se a razão de sua produção. A progressão da inquietude literário-filosófica está subtendida num livro de bolso: o pocket é a mão que se estende ao indivíduo numa multidão opaca de cidadãos automatizados.
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