domingo, 15 de abril de 2018

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Contra a rede
1
A rede é um regime autocrático estabelecido sobre a necessidade corporativa de pôr sob rédeas a sociedade civil, metamorfoseando-a em sociedade virtual e eficientemente administrada. Sua tirania é exercida através do requinte da ambivalência; seu aspecto democrático lhe confere máscara oportuna.
2
Recomposta sob o apelo da notícia compartilhada, sob a influência sincrônica das ferramentas de aprovação ou rechaço, a vida social é continuamente atualizada na quadratura física da timeline – projeção simultânea de emoções hipertrofiadas e fatos torcidos. E, na medida em que se atualiza sob coação do compartilhamento, torna-se, a vida mesma, a própria rede, mas projetada na realidade como concretização idealizada do mundo virtual.
3
A coreografia reincidente encenada por indivíduos subjetivamente diferentes absorve a idiossincrasia das identidades, germinando uma totalidade unívoca, homogênea, caracterizada, em sua essência, pelo narcisismo derivado da autoafirmação no gozo da imagem e pelo vazio infinito cujo preenchimento parcial é estabelecido através da aprovação de outrem. O simulacro, traduzido como substância elementar da rede, manifesta-se desde os verbos e substantivos escolhidos como adornos das orações aos registros fotográficos e audiovisuais em que triunfam a obviedade e a repetição.
4
Descampado onde todos os temas são colocados à prova em digladiações passionais e mal escritas, na rede, a lógica perversa do pedantismo perfaz cada postagem, a sagacidade astuta da indigência requesta para si exclusividade sobre o conteúdo da verdade.
5
O ritual sanguinolento da ignorância é consumado com a punição sacrificial do bode expiatório. Os crimes pelos quais a tutela da liberdade se é denegada são coligidos a outros de natureza integralmente estranha, prevalecendo, sobre a alteridade, o rigor enregelado da exceção jurídica, a recomposição do autoritarismo chancelada pela má-fé da notícia falsa – atributos que, embora enjeitados publicamente em razão do emporcalhamento ético, cumprem à risca sua finalidade embrutecedora, sendo moralmente convenientes à univocidade totalitária da rede.

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