quarta-feira, 27 de abril de 2022

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Alemanha, ano zero.  Em ruínas, a cidade subsiste a duras penas, deslocada à incompletude material que favorece o pânico. A malandragem arrocha a infância às ilicitudes do mercado negro, subsumindo-a, senão ao furto e ao escambo de ninharias que oportunizam módicos ganhos, às vilanias repugnantes da prostituição. Suspensa a moralidade, o cristianismo é obliterado e os antigos fiéis inauguram nos corpos femininos todas as escoriações daquilo que será vilipendiado. O prato de comida é recurso escasso, esvaziado pela guerra, que, mesmo tendo arrancado a todos suas chances de sobrevivência, não imiscuiu tão profundamente assim numa certa latência totalitária, encarnada seja na nostalgia paternalista da proteção do grande líder, seja nas crenças remanescentes dos antigos apoiadores do regime. Tempos confusos, nefastos, antiquados à inocência das crianças que, desapossadas do mínimo, do essencial, obstinam-se em envelhecer precocemente enquanto a fome coleciona cadáveres.

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