quarta-feira, 27 de abril de 2022

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ExperiênciaA um desavisado o volume de atividades passado na troca de turnos facilmente assustaria. Os trabalhos de Hércules parecem tímidos quando comparados com os problemas de fábrica: as máquinas, como os filhos mimados, são excessivamente exigentes; as metas de produtividade não acedem às limitações infraestruturais, menos ainda os supervisores. A propaganda corporativa emplaca o mote da redução de gastos em todas as paredes, advertindo que o dinamismo do trabalho não está acima da atitude de se fazer mais com menos. Em tempos de guerra, este axioma já tautologizado, ainda que pareçam claros os sinais de sua obsolescência, adereçaria facilmente os acessos de um campo de labor forçado. Mas o belicismo que daí se pressupõe não se limita aos chavões, a um certo léxico ufanista e guerreiro. A austeridade é derivada da política corporativa para o redimensionamento da arquitetura e as atualizações tecnológicas. Os softwares, as câmeras, a disposição do mobiliário fabril, em absolutamente tudo estão obsessivamente enxertadas vigilância e negação do humano: a profundidade das imagens filmadas encontra planos totalmente abertos; a otimização do layout das ilhas de produção, livrando-se das cadeiras, contemplam o trabalho em pé; as cabines dos banheiros des-ocultam por portas foscas relativamente transparentes qualquer corpo que estiver dentro delas. O existente é governado pela aquisição de um comportamento previsível que o imuniza às temporadas de corte, às vergonhas da demissão, às suspeitas de indolência e preguiça. A experiência deve resgatar o trabalhador da nudez a que ele fora subjugado, indicando-lhe tanto os pontos-cegos inalcançáveis pela onipresença da vigilância como a profundidade subjetiva que o torna inacessível ao rigor das folhas de processo. Este atalho, embora possa ser descoberto de forma dolorosa entre os corredores e as máquinas, está inscrito na pedagogia do sindicato e na formação política.

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