terça-feira, 31 de maio de 2022

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Não pensar. O corolário da hiperconectividade é a exposição contínua a algo parecido com a verdade. À velocidade cada vez mais agressiva dos fluxos da vida recresce uma incapacidade preocupante para o pensamento. Nunca pareceu tão patente a sensação de exterioridade do exercício da razão, como se fôssemos a concepção de desejos que vêm de fora, expropriados por completo da sensível tarefa de pensarmos por nós mesmos. Se uma atividade se apresenta vestida pelo manto difuso da novidade, o tutorial das plataformas digitais assume os riscos e os arranhões da experiência, subtrai-nos ao perigo biológico da infecção e do contágio, apresentando o caminho que se deseja percorrer sob a luz da objetividade, sem as sinuosidades ou obstáculos que requestam atenção para o próximo passo. Estando tudo descoberto, excessivamente real, a transparência que desvenda o mundo também o torna menos sensual, porque, de fora, a curiosidade que se inscrevia na fachada, como a lascívia excitada só pela roupa, já não convida a saber o que há dentro. O dentro não existe, senão como a negatividade oculta do poder.

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