sábado, 6 de fevereiro de 2010

Sem Nome 20

comendado pelo médico à morte, aos seus 83 anos era um homem já desgastado, sofrendo as dores da velhice com os lábios cerrados do recolhimento, de modo que a sua enfermidade, além dele mesmo, não incomodasse a mais ninguém. astuto em manter o seu corpo erguido, demandava forças nos seus músculos que excediam a si próprio, referenciando-se na dor para manter-se vivo, tal um religioso que se açoita para demonstrar à deus quão veemente é a sua fé. ninguém havia para ajudá-lo, pois as amizades resultaram tristes, empaladas como uma fotografia amarela nos recônditos onde guardava as pequenas memórias de sua alegria instante, corroborando para que trincado estivesse o seu coração, que não recebia os gestos afáveis da piedade e do reconhecimento, só podendo os seus ouvidos escutar os desvelos das carícias quando, sereno, falava aquela palavra velada em solilóquio, emergindo das trevas de suas retinas profundas uma gota salgada do pranto que não chegava nem à metade de sua bochecha sulcada. E morreu assim: como um papel amassado onde, nas suas linhas, se liam, simultâneas, a palavra dor.

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