quarta-feira, 14 de abril de 2010

Canção para Bia

fora nas tardes onde os seus olhos
me fitavam cansados que descobri a sensação simples
que nos causa o amor verdadeiro.
uma leveza tímida me tomava coração adentro,
perscrutando a complacência dos seus gestos tão tímidos quanto os meus.
e éramos assim,um casal feliz,distante de tudo
e orbitando tão somente pela rota de nossa felicidade.
quando em vez era o sorvete caramelado a nos acompanhar
pelas praças mordacentas nas quais se mata o tédio.
você,com um dos braços entrecruzado num dos meus,
falava baixinho,provocando-me cócegas no ouvido,"dá um pouco".
achava essa frase curta tão singela que,após ouvi-la,
a certeza de que você era a mulher com quem queria
dissipar o resto dos meus dias,enchia-me de tanta felicidade,
mas de tanta felicidade que,de tão feliz,um dia tive de
ver você indo embora.

***

É por isso,Bia,por causa de você,
que hoje não mais canto o amor como quem rega uma planta
achando que essa possua um verdejar para enternidade.
O amor morre tanto quanto as plantas e as pessoas,
e devemos nos amar assim,em despedida,tirando dos bolsos
das nossas blusas o lenço branco
para acenarmos em adeus.

Tudo quanto possamos sentir é um barco que vai longe,
expurgando pela alta chaminé
uma fumaça cinza que se dispersa no azul do céu
que lembra um dia de viagem.

O nosso amor,como tudo,são aquelas pessoas
fixadas no cais da cidade que ficara
e todos os gestos longos de despedida
dos que tentam alcançar, com a vista marejante em lágrimas que ardem,
os que vão indo embora.
O amor nada mais é que isso,Bia...

Abracemo-nos,abracemo-nos, pois nada passa tão rápido
quanto as horas desse relógio velho que me fora dado
pelo meu querido avo.tão bom ele era,
e sempre me falava que também tivera a minha idade,
e me contava sobre as suas tantas raparigas incólumes sobre a flor
dos poucos anos que, assim como ele, hoje estão bem mortas e enterradas
sob uma terra que, de repente, afoga tudo.

Sentir prazer é uma dádiva,contudo de nada ele nos serve,
não serve pois pra nada serve e vai junto no caixão
onde colocam o nosso corpo sem vida entornado numa mortalha.

Amemo-nos, Bia,soberbamente de modo que possamos contrariar
a igreja e tudo que nos põe rédeas.Não desejemos aliança
e fiquemos os dois quietos a ver correr para tão longe as águas turvas desse rio,
pois nenhuma aliança é tão firme a ponto de não se quebrar
ante a certeza do falecimento, e só há mesmo razão em estarmos os
dois sentados juntos.

Sejamos realistas e nos beijemos;beijemo-nos pois,não tardando,
virá esse divórcio indesejado com a vida,
esse partir-se para não sei onde que me faz cantar
com as lágrimas e as flores de um velório,
tudo isso ardendo em chamas na pelica de cada dedo,
num pulsar agônico dentro da alma
- se é que temos uma, todavia...

Um comentário: