domingo, 30 de maio de 2010

Ouvidos para uma puta

olhos mortos de menina sem alma,
era com estes olhos que ela me olhava
ao me falar como havia parado ali.

ela transpunha a cerveja que comprei
por cinco reais na sua lata de coca-cola vazia.
o mesmo que fizera quando sentou-se
na mesa do lado para aclimatar os clientes
que acabavam de chegar.

eram senhores gordos e bigodudos,
pareciam trabalhar com essas coisas de fazenda
e ter deixado as suas mulheres em casa,
assistindo à novela das oito, derramando lágrimas
com a trama complexa do mocinho e da mocinha.

sentiu-se constrangida quando lhe passei a mão no rosto,
a fim de acariciar com delicadeza a pele das
suas bochechas já um pouco enrugadas,
onde, devido aos encargos da profissão soturna,
talvez muitos homens pudessem ter jogado
a sua porra em cima.

me disse que era casada
com um serviço gerais de um shopping center famoso,
e que ele, embora desconfiasse, não sabia sobre o seu ofício.
havia na sua tristeza o cansaço que desperta
nos corações mais fechados a plantinha vermelha do amor.
perguntei-lhe se sentia prazer com todos os homens
que a levavam pra cama, subornando os gemidos
em troca do dinheiro com que comprava o de comer.

ela me disse, melancólica, que não,
que era apenas o robozinho que punha os parafusos
e as ferragens nos lugares programados.
me disse que logo no começo era muito difícil,
que sentia saudades da família que havia deixado
noutro Estado, e que sentia remorso por haver
mentido para os seus, dizendo que saía de casa
para tentar uma vida melhor trabalhando dignamente.

nesse momento, tenho certeza que vi uma lágrima
cair trôpega e escura de um dos seus olhos adornados
por maquilagem chamativa e forte.
uma puta sem unhas vermelhas não é uma puta,
e nas suas mãos aquela cor se distinguia
por dar a magreza dos seus dedos uma beleza especial.
seus lábios, também vermelhos, contrastavam
de forma simétrica com a negrura dos seus cachos oleosos.
e de longe podia se sentir o aroma inequívoco
de um corpo que já havia sido violado em infinitas camas.

se fui doce com ela, não é porque sou doce,
mas porque sou cínico.
as putas geralmente fazem muito charme
e, a depender de onde trabalham, vendem o seu
produto por um preço exorbitante.
sou cavalheiro por hipocrisia,
e sempre espero que a recíproca seja verdadeira.

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