sexta-feira, 16 de julho de 2010

Apologia do tédio

A face oculta dos números. A matemática e a pureza ante a qual, os olhos que se enervam com as somas, deixam-se movimentar, bêbados, nas direções seguidas pelo suposto-categórico: os números que escondem uma face oculta. Se seguem para um lado, os olhos, em seguida, os seguem. Se seguem para outro, o mesmo. Olvidou-se a tentativa de pará-los, e com eles, assim, ter-se um minuto de conversa: a prosa, rápida ou alongada, com a qual se conhece o que se põe a nossa frente, de modo que nos verse sobre os seus gostos e as suas antipatias, gastando os gestos e as risadas. O que é semelhante ao homem-típico, ao brasileiro malandro para o qual todas as mulheres, desde que corporalmente favorecidas, têm a alma boa. E a elas, enfarofados na alegria, dedicam acalorados sambas. “Incomparável mulata, quanto de beleza nos seus traços tropicais”. E assim seguem, todos na roda, aguando de versinhos calorosos e cerveja a satisfação brasileira de ter o perfil de mulher imponente – invejável a olhos estrangeiros. Mas todos na roda. Inclusive ela: a mulata distinta e poética.
O receptáculo nordestino – longas avenidas onde os foliões se amam e pulam. Não há miséria que cesse a música das dores, pois sublimados pela felicidade, aviltados naquela emoção anuária, os ouvidos perdem a sensibilidade para o sofrimento. Mas quem se concentra, escuta com que sofreguidão a ordem pública grita. A decência verte embevecidas lágrimas acuada no seu canto. Porém não há olhos que perpassem a cortina fechada – proíbem à compaixão o seu gesto de ajuda. Coibir: eis, pois, o lema! – assim grita o intelectual com o seu pastiche de teorias pós-modernas. Na sua estante de livros, nenhum que fale sobre as latas e os negrinhos. Diluem tudo. Concentram a inanição numa proposição sociológica, e vêem-se, mesmo irascíveis nos seus mandamentos da solução e do apaziguável, perante a derrocada da existência: bons cristãos que são, necessitam de uma moral.
Ora, mas que poderia dar-lhes senão fortes puxões que pudessem acordá-los? A ordem me reprime, e por isso contenho as minhas forças - sufoco na garganta a amarga paisagem. Cristalizo no coração o ódio por terem me trazido até aqui, nesse ponto indefinível no qual tudo acaba. É o fim da história: tudo o que fazemos são conversas de jazigo... movimentação dentro de tumbas... O homem que nasceu nesse meu tempo, veio despossuído dos seus impulsos de vida. Vejo a esperança esfrangalhada, contemplo as volumosas barrigas das gestantes pensando que elas estão prestes a dar luz a atrofia. É necessário que acendamos velas ao tédio, que intercedamos aos deuses, ao diabo, ou ao nada, por essa falta de norte. Não há dia em que eu não acorde enojado com a literatura e não pense no suicídio como um ato de liberdade, como uma atitude que conjura a certeza para a qual nascemos. Viver é sem alegria. Submetidos, todos, a um credo falso – rezando terços para o vazio –, escrevo agora para declarar não só a minha morte, mas a do homem preenchido por suas humanidades.     

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