domingo, 18 de julho de 2010

O amor segundo Münch


Temos acima uma tela definitiva do pintor norueguês Edvard Münch. Essa pintura, intitulada de "A vampira", constitui uma série de quadros que perfazem a maturidade emocional do artista. Evidencia-se nela claros traços de arte expressionista. Os tons lúgubres e as sombras avermelhadas despertam uma forte sensação de nostalgia. Para a época em que Münch viveu, essa concatenação de figuras representa uma cisão com o modelo artístico em voga. Fugindo ao naturalismo e à geometria utilizada para representar figuras com exatidão, na pintura do norueguês a nebulosa de sentimentos se sobrepõe a uma possível descrição do que esses mesmos sentimentos representam. Não é interessante para Münch cunhar o que é a felicidade ou o que é o amor, pois a hipótese reduziria os seus traços ao mero filosofismo. Pelo contrário, Münch é literário, poético, e dá movimento as suas observações pondo o amor, se é disso que fala nessa obra, no estatuto de entrega. A vampira mantém a sua boca na nuca do rapaz. O seu nariz, evidentemente, ocupa posição semelhante. Daí o título, a intenção pela qual Münch descreve uma observação a respeito de como duas pessoas se unem num laço afetivo. A mulher, que com os seus cabelos rubros e braços torneados envolve o rapaz, o suga, cessa-lhe as forças e o deixa exangue, desprovido de suas energias e retido, num descanso profundo, na superfície criada por seu colo. Aquele que ama não procura os lábios de sua parceira, porém deixa com que eles o encontrem, e através da entrega, do abrigo oferecido pelos braços femininos, oferece-lhe, como forma de pagamento, a nuca, de modo que a vampira possa lhe sugar o amor e se preencher dele. A recíproca, no quadro de Münch, tem como ponto de partida o cansaço: o ser exaurido oferece ao outro a sensibilidade cristalizada dentro de si. É, outrossim, uma alegoria à sua própria vida, marcada pela doença e pelas perdas. A nuca ofertada é, na verdade, o grito sufocado - o desejo de libertação do seu próprio destino. A submissão pretende o amor, logo o esquecimento; os braços e os cabelos representam a distância em relação ao que já fora vivido. Entregar-se, no quadro, é uma fuga. Amar, estar desarmado.

Um comentário:

  1. Ela, a quem o artista chamou de vampira, abraça o homem e igualmente seus cabelos avermelhados, o homem, por sua vez, a envolve nos seus braços, enquanto se entrega completamente, mas a quê?
    O que sinto diante desta tela, o que pareço sentir, é ternura. O homem, o homem solitariamente, numa entrega que é pura esperança, mas esperança de quê exatamente?
    Uma vampira o envolve, uma criatura que lhe quer o sangue, a vida, e ainda assim ele não a teme, pelo menos não deve, pois ela está ali e não se lhe vê as presas nem o insensível olhar de fome, talvez até o beije. Mas ele, o homem, percebe isso?
    Então, quem é ele e quem é ela?

    P.S.: Acabei de escrever um comentário meio confuso, mas fui fiel aos meus sentimentos, que afloraram desta forma.
    Ah, João Paulo, seu texto sobre o quadro de Münch está muito bem escrito. Você logrou nos conduzir agradavelmente através de possibilidades que esta tela nos pode oferecer, nos apresentando uma análise que culmina em crítica, cuja valoração é sempre contribuinte para o crescimento do pensar...
    (Bruno)

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