quinta-feira, 15 de julho de 2010

De noite é tudo demorado

De repente, a clareza. Ante os olhos vivos e o coração que bate em torpor orgânico, passa, quase parando, a vida num lapso. Eu aqui, no meu quarto, concentrado num texto, sou também pego de súbito. O raciocínio ia distante para que pudesse apreender o grito. Meia-noite é quando me afogo em sonhos e me entrego a calcular frases e versos nos lábios claudicantes, que se grudam mansos como se cada palavra marcasse um compasso. E de que me serviu a poesia àquele momento?, seria frustrante talvez uma resposta. Por isso, a boca calada como se todas as outras anti-poéticas tivessem mais razão. Numa correria ilimitada, chego ao quarto de onde saiu o esporro desesperado, e lá encontro o ser agente entre lágrimas de olhos que desnudaram o mistério. Uso o léxico previsível, e pergunto, não sei me sentindo como, "o que foi?". Não entendo os reclames aguados de medo da boca que me diz trêmula. Por sua idade, eu já sei: é a saúde. Seria conveniente corações não feitos de carne mas de ferro, de tal modo que a dureza fosse implacável diante da doença, e as nossas vidas não passassem acuadas pela gripe, incertas em razão da possibilidade do câncer. Há drogarias ao longo de todas as ruas, cuja frente enfeitada com os cartazes de 24 horas, nos vigia não importa por que lado passemos: condenados à moléstia. Desconheço os primeiros socorros, por isso não aponto patologias. Que fazer? Não sei, e vou à casa dos padrinhos, essa espécie de parentes-não-parentes. A que me batizou diz que não foi nada. O invólucro de caos e escuridão onde estive chafurdado se quebra. Assim, sobrevém um alívio, o frescor inaudível dum campo distante. Lembro que, para tudo, serve água com açúcar: a ingestão de glicose acalma. Todavia, é aconselhável não olvidar o desespero, e como se reflexão surgisse como uma luz forte de dentro do escuro, decidimos por chamar um táxi. A ausência de créditos, agora sei, não é aconselhável - mas eles melhoram o celular, não a minha condição. De qualquer forma podemos ligar da casa da madrinha. Peço-lhes um tempo para o banho - estava forrado com o corpo do dia inteiro. O carro da linha particular é sempre rápido; e digo isso com a pretensão do ignorante, pois, no geral, sempre me desloco pela cidade de ônibus. Só que as ruas, na madrugada, são um espetáculo: há a lassidão e o neon dos postes ornando o asfalto e uma tal brisa sensível ataca os nossos rostos. Os hospitais são sempre muito brancos - e chatos. Sento-me na cadeira e a minha mãe, com a sua debilidade, entra numa sala para ser atendida. Pagino, então, Bernardo Soares porque, em meio a noites longas, a vida dura envolta nos laços obscuros da velocidade. Para morrer só basta estar vivo; mesmo as mães um dia morrem.

2 comentários:

  1. Caralho. Se isso não é verídico, torna-o ainda mais fantástico. Desse eu realmente gostei muito!

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  2. caraca mto bom seu blog de vd vou segui

    qdo der da uma passada por lah
    http://www.chardiebatista.blogspot.com/

    abrax !!

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