sábado, 18 de dezembro de 2010

Invocações e descarregos

Quero dizer uma coisa aos homens prostituídos, que se perderam no labirinto caótico das artes, não se furtando à ignorância latente dos seus contemporâneos vazios, lutando contra o monopólio da vida fomentado pelos senhores de empresa, despertando gritos de desespero pela plena liberdade; que foram fraternais quando o seu semelhante alegava ter fome, que viram através da janela a projeção do mundo vertendo lágrimas de desconsolo, remoendo sobre o travesseiro o suor de uma preocupação infinita, enquanto o acólito era complacente aos crimes por debaixo dos panos; quero dizer uma coisa aos homens que andaram nus pelos tapetes da idade média, que não levaram a sério o rigor formal das filosofias escolásticas, que se chaparam nos clubes de haxixe da França para escrever os poemas da tradição maldita, borrando de vinho barato o vestido branco da noiva clássica, depois de terem sodomizado uma puta de cinco francos numa face plana do supremo tribunal; quero dizer uma coisa aos homens que não olvidaram as mãos sujas da massa que construiu continentes, que picharam poemas situacionistas na enorme parede de um banco vinte e quatro horas, que queimaram a sua erva na frente de uma delega de controle, ao passo que os mantenedores da ordem validavam a cidadania escondidos sob fardas negras; quero falar aos homens que persistiram em manter acesa a fogueira dos sonhos, que demonstraram inflexível resistência mesmo sendo cruéis as agruras pintadas pela realidade, cessando a bestial genuflexão quando perderam a esperança de que o espírito santo baixasse à terra, que cada gesto pela liberdade é um golpe de compromisso contra a estupidez e a imbecilidade coletiva que, virtualmente, tiram da vida o seu elemento orgânico.

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