sábado, 18 de dezembro de 2010

O princípio-poesia

A vida é a matéria-prima para a experiência poética. Os livros, desde que tenham fins literários, são cadernos particulares ou espelhos. Em casos mais sérios, são a vida de quem só sai da cadeira para disjunção exigida pelo corpo. Qualquer coisa pode ser um poema; contanto que tenha beleza artística, até o lixo acumulado num recipiente pode ser um poema. Todos nós, em verdade, somos poetas. Independente de gênero, condição econômica ou distinção racial, escrevemos, todos os dias, intermináveis poemas. A realidade é uma construção poética. Se dizem que vivemos num mundo regido pelo simulacro, o nosso modo de vida é puramente artístico. Escrevemos silenciosamente. Fazemos arte com as nossas frustrações e alegrias, pintamos com cores diversas os nossos torvelinhos e logros diários. A vida enfeitada é como a mostramos aos outros - sempre um fato adornado pela imaginação. Quando temos vergonha de nos submeter ao parecer alheio, recorremos à análise, esquecendo que a beleza mais fecunda germina quando padecem os escrúpulos fraseais. Portanto, mesmo que todos nós sejamos artistas, há uma estirpe que podemos julgar mais baixa, pois sente a virginal vergonha de estar nu. Tem gente que se cobre de Deus para ofuscar sua própria arte. Dentro dessa timidez cruel, o que se cria são sentimentos opostos àqueles que são negados - na mulher e no homem que se furtaram à castidade, uma forte paixão carbonária deixa em brasas o corpo. Desse modo, o princípio-poesia, para além de um conceito científico, é um artífice que se caracteriza positivo por ser passível à contemplação e imanente. A poiesis é uma revelação de cunho religioso - Deus se manifestando da maneira mais bela possível; se bem percebemos, artisticamente. As pessoas, tudo que é proferido, um estranho fenômeno na natureza, uma mentira criada pelo homem para ludibriar o homem, são exemplos pedagógicos do princípio-poesia. Este se concretiza ainda mais quando nos atentamos à nossa constante vontade de construir discursos belos. A criança sempre procurará dizer palavras adornadas à mãe, nem que seja para ganhar mais um doce; o adolescente desejará fazer o romântico poema para a musa desejada; o adulto se utilizará do discurso poético para os mais variados fins; o velho, se for poeta, para negociar a distância que há entre si e a morte. Assim colocada a questão, concluímos que a poesia não é construída ou manipulada; apesar de erroneamente abordada pelas pessoas, a poesia apenas É.

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