sexta-feira, 22 de abril de 2011

Semana Santa

A indiferença gelada e branca do meu quarto importa-se pouco com o que meu coração sente. Os móveis, onde deponho livros, onde estiro meus membros cruzados e onde deposito o meu corpo com todo o peso de sua massa me são sensíveis senão à sua maneira, suportando sobre a matéria sólida de que são feitos o contato geralmente massivo e pouco deliberado das partes do meu arquétipo adulto. Tudo em minha casa é feito de concreto ou de madeira e o que me agüenta – braços e pernas fartas – é maciço ou oco. Regurgitando o peixe e a cerveja do dia de feriado, vêm-me à lembrança, a todo instante, os que só tiveram à mesa o petisco defumado de tocinho, a carne seca queimada pelo sol, ou os que simplesmente não tiveram nada. As minhas náuseas são sobretudo causadas pela civilidade higiênica desse amontoado de santos que goza a inveja do público mostrando-lhe suas aquisições mais recentes; o meu vômito é por essa religiosidade não ponderada  que ruma contra tudo o que é olho lanças de fatalidade, por esse aspirantado médio-burguês que destila palavras caridosas enquanto se farta de iguarias preparadas para a semana santa, por essa gente débil e oprimida que já não age nem fala e que se assusta facilmente.

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