Nojo

Saímos assim, fortuitamente, da barriga de nossas mães: criaturas amaldiçoadas expulsas do paraíso. À revelia do nosso consentimento, fodas e gritos soturnos são vivificados, macacos inteligentes se desfazem em suor e fluidos e, desgraçadamente, nossos corpos se estendem de espermatozoides azarados aos cipós e às garras mortíferas do sistema.

Destino idiota: encalacram seu corpo à farda do colégio idiota, saturam sua cabeça com uma formação idiota, levam-no semanalmente a uma igreja idiota, trancam você à redoma da família conservadora e do trabalho idiota. E, ao compasso de uma fadiga procedente dessa miserável busca pela dignidade, suas forças vitais fenecem sob a atuação de um rigoroso câncer idiota.

Vertem lágrimas sobre a mortalha que encobre o ser desnecessário que você é. E todas elas são de sangue. Omitem-se, durante toda a vida, de revelar-lhe a verdade que, entre todas, é a mais pura: você é um fantasma inútil e detestável!

A cantilena dos afazeres aliena como um refrão cujos poderes entretêm-nos de sermos lúcidos. E você sorri como um retardado ao longo dos anos que antecedem o jazigo por achar, muito ingenuamente, que não irá morrer.

O amor desabrocha como uma semente jogada ao lixo: vence os vermes, o plástico em decomposição, transpassa o viscoso negrume, encarna sua cor à luz do sol e é pisado malignamente – esbagaçado com todo o pudor:

E aquela que, nas suas intermináveis digressões etéreas, era concebida sob a calmaria de um manto azulado, pálida em sua face triste como Nossa Senhora, muito bela e complacente em todos os minutos, fora-lhe pouco amorosa e receptiva: fez a você objeções inúteis, cobrou-lhe mais cuidados com a beleza e com o corpo, e quis que você a presenteasse ininterruptamente com toda sorte de mimos.

Não tenham dúvidas, meus camaradas e companheiros: a sociedade é uma caixa de doces! Você os saboreia prazerosamente, vicia-se a eles e, tão logo os engole com voracidade, consumindo-os em sua totalidade mesmo, os enjoa, os entoja – os rejeita!