quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A universidade contra o povo

Dentro das universidades, indubitavelmente, há um esforço generalizado para se qualificar como bom um tipo de cultura que tenta diluir nos seus discursos heterogêneos e supostamente imparciais as motivações reais de um engajamento sério contra males urgentes.

A tentativa de sobrepor o sofisma da tolerância ao contexto de relações culturais que promovem a manutenção do capitalismo, além de esvaziar o ambiente acadêmico de potência crítica, evidencia uma abjeta leviandade intelectual alimentada, como forte tendência subscrita inclusive em linhas de pós-graduação, entre professores e alunos: colocar em pauta a cultura como fenômeno simplório, livre de incisões metodológicas mais rígidas, ao qual devemos nos contemporizar a fim de não remontarmos um tipo de barbárie fundada na intolerância às diferenças.

O filósofo alemão Adorno, em um texto exemplar, diz que a educação deve ser norteada pela exigência de que Auschwitz não se repita: isto é, a funcionalidade primordial do ensino deve privilegiar o contato direto com uma imagem acentuada, quase nauseante, dos pressupostos em que a barbárie se estabelece, de modo que essa projeção, ainda que muito limitada, seja interiorizada como mecanismo que aviva a consciência e a iminência do risco, anulando um possível retrocesso aos campos de extermínio e a forte inclinação anticivilizatória que ameaça as sociedades.

Interpretações laterais a esse tipo de tese calcam a avalanche pós-moderna que se instaurou no espaço acadêmico: no intuito de promoverem o distanciamento entre nós e Auschwitz, numa subversão pífia das postulações de Adorno, asseguram a todo tipo de manifestação exercícios teóricos fundados em abstrações carentes de um rigor científico mais amplo e entronizam como novo Reich a indústria cultural.

Discursos assim são o equivalente conceitual que assegura vida à estrutura metabólica do capitalismo: uma massa escrava e indigente que supre a força de trabalho ao longo de escalas extenuantes não é o bastante para garantir a saúde financeira do empresariado, como a simples existência de um regime político baseado no sufrágio universal não faz sobreviver às oligarquias municipais e estaduais – no fundo, tanto o empresariado como as figuras públicas eminentes se enraízam hegemonicamente como dominadores por terem o apoio de um modelo educacional doente e inútil, que assimilou a lógica do capital recapitulando-a no plano da teoria e da práxis pedagógica.

Sem mais delongas, é necessário alertar para o papel central que o ensino superior exerce em um país: ele é o eixo entrecruzado pelos variados segmentos da sociedade, na medida em que exerce a dupla função de instituir a linguagem científica no aluno saído do ensino médio regular e de enviar profissionais aos diversos campos de trabalho. De modo que a linguagem hegemônica dentro da universidade pode ser meio de libertação como o fosso que segrega uma estrutura política viciada e dispensável dos apelos da maioria, só se pode ofuscar Auschwitz do nosso horizonte mediante uma postura severa em relação àquilo que o faz viver disfarçadamente, no dia a dia.

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