sábado, 25 de setembro de 2021

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HirszmanOs cantos de trabalho ressoam nos confins do mundo ocultado pela extensão imensurável da monocultura. O lamento dilatado na duração demorada do gemido evoca, no plano de três ou quatro frases, o acúmulo de uma vida nordestina. Como a toada do vaqueiro se introduz pela dispersão da boiada, seduzindo cada animal desgarrado ao seu encontro, o aboio do agricultor entranha-se na terra, amolecendo suas resistências sob os golpes ritmados da foice e da enxada. Sem máquinas, as vozes se emendam no coro do mutirão, sujeitando à força do canto as dificuldades implacáveis sugeridas pelo latifúndio. Esquecida no pilão, a vargem liberta as sementes, enternecida pelo lamento sertanejo das mulheres. São os versos repetidos no afazer cotidiano de uma vida as heranças que se deixam: com eles, gerações tecem os séculos demovidas do peso integral do trabalho.

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